Ludita. Ser ou não ser?
Estou pensando se não deveria me tornar um neoludita, e me insurgir contra a tecnologia como fizeram os integrantes de um grupo de pessoas revoltadas contra as máquinas no início da Revolução Industrial, na Inglaterra, no século XIX.
Os luditas, nome que derivou de seu líder, Ned Ludd, invadiam fábricas e quebravam máquinas por ver nelas o símbolo da desumanização da sociedade. Máquinas, do ponto de vista da razão, significavam um progresso formidável da economia capitalista. Mas, para os luditas, elas acima de tudo substituíam os homens nas fábricas e matavam empregos.
Eram o inimigo a ser batido. Homens versus máquinas, esta a essência da visão dos luditas. Todos sabemos quem triunfou.
Os luditas dos tempos modernos prestam um tributo a seus ancestrais, avassaladoramente derrotados pelas engrenagens, e se rebelam contra as novas tecnologias. Evidentemente serão batidos, como foram os seguidores de Ned Ludd. Mas eles têm um ponto do qual só os fanáticos da conexão ininterrupta aos computadores podem discordar: a tecnologia, para as pessoas, fez o oposto do que se esperava dela.
A promessa era mais facilidade, mais rapidez para trabalhar. Em conseqeência, menos horas nos escritórios. Mas.
Mas a realidade é o oposto.
Numa viagem jornalística à pequena Perúgia, na Itália, uma cidade universitária com ares medievais, notei pessoas andando pelas ruas com celulares nos ouvidos. Era hora do almoço, elas estavam engravatadas, e ali ao celular na verdade elas estavam trabalhando. Isso numa cidade pequena.
Em Londres, o celular nas calçadas em que as pessoas andam apressadas é uma presença constante, a imagem neurótica da continuação das tarefas do escritório. Bem como o laptop nas mesas de restaurantes e cafés, incluídos os finais de semanas. Para não falar nos iPhones e similares em que emails profissionais são trocados em regime de 24 por 7. Vinte e quatro horas, os sete dias da semana.
Um momento: a tecnologia não ia diminuir a carga de trabalho?
Outro dia a matéria mais lida no site do New York Times mostrava a rotina de uma típica família americana de classe média. O café da manhã era a primeira atividade. Mas foi substituído pelas telas de laptops, nas quais os pais checavam mensagens e faziam todas aquelas coisas que conhecemos. Só depois disso a família se reunia à mesa. A prioridade estava na conexão digital, não familiar.
A tecnologia é um bem se você a controla. É um mal se você é controlado por ela. É mais fácil falar isso do que praticar. Quantas madrugadas, ao despertar por algum motivo, em vez de simplesmente voltar a dormir, peguei o celular na cabeceira e fui checar os emails de trabalho? Eu estava sendo absolutamente comandado pela tecnologia, escravo e não senhor dela.
Não vou dizer que me curei da doença, mas pelo menos me dei conta dela, e isso é o primeiro passo de toda caminhada.
As reflexões em torno disso tudo me levaram a pensar mais detidamente em minha visão dos franceses. Antes, achava-os meio que preguiçosos. Um americano que trabalhou anos em Paris escreveu que a palavra mais ouvida às cinco da tarde é “au revoir”. Até mais. Esse americano tinha um cargo importante numa empresa na França, mas ao passar uma tarefa a um jovem ouviu a seguinte resposta: “Não sou pago para isso”.
O que me parecia preguiça nos franceses hoje considero sabedoria. Equilibrar vida pessoal e vida profissional é uma arte que eles dominam como ninguém, e é uma resposta extraordinária à filosofia americana segundo a qual só os paranoicos sobrevivem, para usar uma frase célebre de um empreendedor cultuado nos Estados Unidos.
Paranoia quer dizer o seguinte: primeiro o trabalho, depois o trabalho, ainda o trabalho, e só então a vida pessoal.
Você quase não vê em Paris gente na rua trabalhando com o celular pregado no ouvido. Laptops em restaurantes e cafés são uma esquisitice. Muitos pontos reservados aos táxis são lugares cheios de sombra em que os motoristas estão à busca de repouso, não de trabalho.
Várias vezes quis pegar táxi nos pontos de Paris e vi isso, algumas delas com uma certa raiva, é verdade. De uma recepcionista de hotel a quem me dirigi em busca de explicação sobre por que não estava conseguindo conectar o laptop, recebi a seguinte resposta: “O senhor está me fazendo muitas perguntas.”
Estava mesmo.
A imagem que melhor retrata a alma francesa, para mim, estava no Jardim de Luxemburgo quando passeei por suas luxuriantes alamedas em minha mais recente ida a Paris. Era final de julho, o sol de verão dominava um céu imaculadamente azul, e os parisienses ali no parque faziam tudo, exceto trabalhar com laptops ou celulares.
Conversavam, dormiam nas espreguiçadeiras, tomavam cerveja, liam, riam. Joie de vivre, alegria de viver, tinha mesmo que ser uma expressão francesa.
Os franceses não parecem escravos da tecnologia, e sim senhores dela. Usam-na não para encurtar o caminho para estresses e depressões, mas para evitá-lo.
Penso na pergunta que fiz no começo: se não devia me tornar um neoludita. Não, não preciso. Basta seguir o exemplo inspirador dos franceses no equilíbrio permanente entre a vida pessoal e a vida profissional.
Au revoir.