Um tipo comum que você encontra nos escritórios é o que ri de acordo com quem conta a piada, e não com a piada em si.
Para mim, esta é uma das marcas mais vívidas de Mario Sergio Conti. Trabalhamos na redação da Veja nos anos 80. Dali eu saí para a Exame, e ele permaneceu até se tornar diretor de redação.
Humor fluido traduz caráter também fluido.
Mario era um dos tipos mais mal humorados da Veja. Magro, sempre com um cigarro nas mãos, passava todos os dias pelo corredor da redação sem cumprimentar ninguém exceto os superiores. Não sem alguma razão, um jornalista que conviveu com ele na seção cultural da Veja, Luís Antônio Giron, o definiria depois — ao descrever a equipe como se se tratasse de animais — como um corvo.
Mario guardava suas risadas nervosas e entrecortadas para tiradas de chefes como o diretor de redação José Roberto Guzzo e o adjunto Elio Gaspari. Uma vez, quando ele era editor de artes e espetáculos e eu da Veja São Paulo, fiz uma resenha do livro Só Deus Sabe, de Joseph Heller. Era um romance satírico sobre o Rei David. Quem tinha me pedido que resenhasse era a chefe de Mario, Dorrit Harazim, de cujas graças ele ria também.
(MAIS: A arte da bajulação nas empresas)
(MAIS: Você conhece os ratos corporativos?)
Dorrit, mulher de Elio, era brilhante e dura como poucos. Só a vi falhar uma vez como jornalista. Foi quando ela foi cobrir em Londres o casamento entre Charles e Diana. Seu texto, enviado por telex, teve que ser reescrito por Ricardo Setti. Sobre sua dureza, a melhor evidência é uma cena com o mesmo Setti. Setti, editor de Internacional, respondia a Dorrit, editora executiva. Num fechamento, Setti tinha dispensado, já no começo da madrugada, duas jornalistas que trabalhavam sob ele. Elas estavam no corredor da redação, a caminho do elevador, quando passaram em frente à sala de Dorrit. Dorrit perguntou a elas onde iam. Quando ouviu que elas iam embora, mandou que voltassem. Setti — de quem me lembro a curiosidade de que ele tinha um banco de lides para todas as circunstâncias — pediu demissão naquela madrugada mesmo. Tão temida era Dorrit que um tarimbado redator da revista, quando sob sua chefia na seção de Internacional, punha as mãos no escapamento do carro dela, no pátio da Abril, para ver se ela chegara muito antes que ele.
Escrevi a resenha de Heller e passei a Mario para que ele lesse e fechasse. Eram laudas, ainda. Sem mexer o rosto por um segundo, Mario me perguntou algumas vezes qual era a graça de certas passagens. Não que eu seja um comediante. Mas eu transcrevera piadas de Heller, um dos maiores escritores “cômicos” americanos do século passado. (Só Deus Sabe é talvez o romance mais engraçado que li na vida, com o Rei David de Israel conhecendo biblicamente Betsabá com volúpia ferozmente divertida.) Eu já estava desistindo de explicar quando fui salvo pela chegada de Dorrit. Ela pediu as laudas a Mario, leu a resenha e riu, em aprovação. Jamais esqueceria aquele episódio pelo que ele revelara de Mario.
Este é um trecho de um capítulo do livro Minha Tribo – O Jornalismo e os Jornalistas, de Paulo Nogueira, editor-chefe de nosso site parceiro Diário do Centro do Mundo. O livro completo está disponível de graça na internet neste link.
Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.
Saiba Mais