Mesmo que você não goste de futebol, deveria ler O Berro Impresso das Manchetes, de Nelson Rodrigues. São as crônicas que ele escreveu na Manchete Esportiva entre 1955 e 1959, o período em que durou a revista.
A beleza, a inteligência, o humor dos textos são assombrosos. Você se pergunta com frequência: como alguém pode ter tanto talento para escrever?
O futebol para Nelson Rodrigues não era um jogo banal em que 11 jogadores de cada lado tentam fazer um gol: era um épico camoniano, era uma luta heroica não pela vitória mas pela vida entre gladiadores uniformizados e cercados por torcidas delirantes.
Lamento que na imprensa esportiva nunca mais tenha aparecido ninguém comparável. O futebol segundo Nelson Rodrigues é muito mais interessante que o futebol real. Com a maior parte dos cronistas esportivos contemporâneos, o que acontece é exatamente o contrário.
Nelson Rodrigues pegou uma época fascinante do futebol brasileiro na Manchete Esportiva. O Brasil saía da ressaca de 1950, quando perdeu para o Uruguai na final no Maracanã, rumo a seu primeiro título, na Suécia, em 1958.
Imagens inspiradas percorrem o livro. O futebol brasileiro, para NR, tinha que ser alegre e “enfeitado como índio de Carnaval”. Os torcedores de futebol se parecem como “soldadinhos de chumbo”. E daí por diante.
Fluminense “nato e hereditário”, ele muitas vezes se referia a seu clube, amorosamente, como Timinho. Era assim que o Fluminense era conhecido na década de 1950, por sua estratégia de comprar jogadores baratos.
Para mim, especificamente, o livro trouxe uma informação cara. Soube ali que foi Adolpho Bloch, fundador do grupo Manchete, quem sugeriu a Nelson Rodrigues que escrevesse “O Personagem da Semana”.
Desaparecida a Manchete Esportiva, NR levou a coluna para o Globo. Foi lá que a conheci, menino ainda, nos anos 60. Foi tão marcante para mim aquela coluna que décadas depois, na Editora Globo, pedi aos editores da revista Época que elegessem também “O Personagem da Semana”.
Em seus textos, Nelson Rodrigues toca num fator crucial, pouco valorizado pelos críticos esportivos de hoje: a sorte. Para um time ser campeão, nota ele, não basta ter uma defesa intransponível, um meio de campo genial e um ataque assassino: é preciso ter sorte.
O maior exemplo disso é a seleção brasileira de 1982, de Telê. Sem sorte, como escrevia NR, você é “atropelado por uma carrocinha de Chicabon”.
Isso não vale apenas para o futebol – mas para a vida em geral.
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