Uma cena de Beleza Americana me impressionou particularmente. O filme todo me fascinou, aliás. Tenho que vê-lo de novo. Acho sublime, comovedora aquela busca desesperada e vã do homem pela juventude perdida.
Mandar para o lixo a carreira bem-comportada depois de uma conversa franca com o chefe e ir trabalhar numa lanchonete, sem metas e cobranças que fossem além de entregar com um sorriso o hambúrguer para o freguês. Comprar um carrão imprestavelmente lindo de 20 anos atrás apenas para realizar um sonho que ficara lá longe num mundo que se perdera. E correr atrás de uma garota como se fosse, ele próprio, um garoto e não um homem vencido pelo correr dos dias.
Braços remando contra a correnteza, como escreveu Fitzgerald no final de Gatsby. Somos condenados a remar contra a correnteza, e só não encerro essa digressão aqui porque me ocorre uma frase de Cícero cortante como a espada de Musachi, o maior dos samurais: o tempo nos tira as certezas que temos na juventude e, ao perdê-las, vai com elas uma ousadia petulante que é maravilhosa por ser ingênua. E essa é a maior das maldades do tempo, e ainda que as certezas fossem, todas elas, erradas.
Mas era sobre a cena da primeira sentença que eu queria falar. A mãe frustrada, que imagina encontrar a resposta para um casamento miserável nos braços de um amante rico e engomado, diz para filha depois de uma briga conjugal que terminou com pratos lançados na parede: “Você aprendeu a maior de todas as lições, você aprendeu que tem que contar apenas com você mesma”.
A única coisa que temos sob nosso controle somos nós
Quando narrei esse episódio a tio Fábio, ele, com sua voz estentórea de imperador romano, disse: “Sócrates não teria falado nada melhor. Talvez Sêneca, mas mesmo assim não tenho certeza”. (Sêneca era o filósofo predileto de tio Fábio.)
Temos que contar com nós mesmos, e no entanto quase sempre depositamos nossa felicidade (ou infelicidade) nos outros. Ninguém pode nos ajudar se nós próprios não nos ajudamos. Ninguém mesmo: nem a mãe, nem o pai, o amigo, o irmão, a namorada ou a mulher. Ninguém. Vivemos num mundo em que a solidão é tratada como um anátema, um estigma, um mal a evitar.
Um grande homem da Roma Antiga disse que jamais estava menos só do que quando estava só, entrega às reflexões. E no entanto poucas coisas nos enchem de tamanho horror quanto a solidão. É porque não contamos com nós mesmos. E assim lá vou eu pra mais uma das minhas citações favoritas: estamos sempre fugindo de nós mesmos. Lucrécio, poeta romano.
A única coisa que temos sob nosso controle somos nós. Nossa mente e nossas ações. O resto, não. Sua namorada deixou você? É triste, se você gosta dela, mas, se você tem presente que deve contar mesmo é com você próprio, esse é um episódio de tranquila superação.
Não está no seu controle obrigá-la a amá-lo até o último dia. Sob seu controle está você mesmo. É com você mesmo que você deve contar. Não pode haver mais sólido refúgio do que esse contra as adversidades e incertezas da vida. Foi isso que, naquela cena de Beleza Americana a mãe disse à filha. Era uma mulher histérica, descontrolada, falsa. Mas, vale a repetição, nem Sócrates poderia ter dito uma coisa mais sábia à garota arrasada.