Atitude

Precisamos ser otimistas para nos curarmos? Uma perspectiva baseada em Schopenhauer

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O seguinte texto, que consiste em “um breve comentário acerca do valor do otimismo na psicoterapia”, utilizando-se dos escritos de Schopenhauer e de Aristóteles, foi publicado no trigésimo oitavo volume da revista científica The Psychiatric Bulletin (2014) pelo psiquiatra britânico Femi Oyebode

A essência do pessimismo é retratada de maneira exemplar nas obras de Arthur Schopenhauer. Em “Sobre a Vaidade da Existência“, ele postula:

Entretanto, que abismo entre nosso começo e nosso fim! Começamos na loucura do desejo carnal e êxtase do prazer, e terminamos na dissolução de todos os nossos componentes e odor fúnebre dos cadáveres. E a trajetória de um a outro também se mostra, no que concerne ao nosso bem-estar e fruição da vida, algo que é consistentemente descendente: a infância repleta de sonhos alegres, a juventude exultante, os anos laboriosos da maturidade, a velhice frágil e frequentemente miserável, o tormento da última enfermidade e, por fim, os estertores da morte. Não parece como se a existência fosse um equívoco cujas consequências se tornam progressivamente mais evidentes? Faremos bem em conceber a vida como um ‘desengano’, um processo de desilusão – uma vez que, indubitavelmente, tudo que nos ocorre é feito para produzir tal efeito.

Para Schopenhauer, o sofrimento é a condição inevitável da vida. A verdadeira cura para a doença da vida é aceitar a aniquilação. Com essa perspectiva sombria em mente, a necessidade intrínseca da maioria dos seres humanos por esperança e otimismo torna-se compreensível. A realidade do cotidiano pode ser insuportável, e dada a capacidade do homem para o pensamento abstrato, para imaginar o que está ausente e o que está por vir, o medo e a esperança naturalmente emergem dessa perspectiva sombria. Nesse contexto, ter esperança é louvável.

Em seu editorial, a psicóloga e professora universitária Rebecca McGuire-Snieckus levanta questões pertinentes sobre o papel e o propósito das terapias que partem da suposição de que a “psicologia positiva” é desejável – ou seja, terapias que promovem a esperança, que criam uma crença positiva sobre possíveis resultados, mesmo que ilusória. Embora ela não aborde explicitamente a dimensão moral de sua crítica (que é a seguinte: mesmo que a psicologia positiva possa ser empiricamente demonstrada como benéfica, tornando as pessoas mais felizes, é moralmente correto incutir esperança em situações desesperadoras?), as questões que propõe atingem o cerne do que é a assistência à saúde. E as respostas não são simples.

Norman Vincent Peale popularizou o conceito de “pensamento positivo”, a ideia de que as pessoas podem transformar suas vidas mudando seus pensamentos. A implicação é que problemas pessoais e fracassos são manifestações de “pensamentos negativos”. Se as pessoas aplicassem com consciência os princípios de Peale, poderiam revolucionar suas vidas. Nesse sentido, obstáculos externos intransponíveis que impedem o progresso pessoal existem apenas na percepção individual.

Embora Seligman faça uma distinção entre “pensamento positivo” e “psicologia positiva”, a verdade é que a mesma preocupação está em jogo: o pessimismo é prejudicial, o modo como você pensa pode te tornar mais feliz, mais bem-sucedido e sua mentalidade pode ser transformada para melhor.

Ambas as polaridades, em minha perspectiva, parecem inadequadas. O pessimismo de Schopenhauer traça uma imagem sombria e ameaçadora do mundo e da existência. O pensamento positivo de Peale e aspectos da psicologia positiva de Seligman exageram excessivamente na importância da felicidade  como objetivo de existência, a qualquer custo.

Deixo a última palavra a Aristóteles, que dissertou sobre “sanguinidade ou otimismo” da seguinte maneira:

Os sanguíneos são confiantes porque acreditam ser os melhores soldados e que não podem perder (é assim que as pessoas se comportam quando estão embriagadas: tornam-se sanguíneas); mas, quando o resultado não é conforme o esperado, eles fogem… É a marca de um homem corajoso enfrentar coisas que são terríveis para um ser humano, e que ele reconhece como tais, porque é nobre enfrentá-las e uma desonra não fazê-lo.

Camila Nogueira Nardelli

Leitora ávida, aficcionada por chai latte e por gatos, a socióloga Camila escreve sobre desenvolvimento pessoal aqui no El Hombre.

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