Muitas pessoas já me caracterizaram como louco. Resta saber se a loucura não representa, talvez, a forma mais elevada de inteligência.
Edgar Allan Poe (1809-1849)
Vincent van Gogh sofria de transtornos mentais, e talvez fosse bipolar. Certa vez decepou sua própria orelha esquerda.
Leslie Lemke tocou, aos 14 anos, com perfeição, o Concerto nº 1 para piano de Tchaikovsky, depois de ouvi-lo pela primeira vez enquanto escutava um filme de televisão. Ele era cego e tinha paralisia cerebral.
John Nash, o matemático de ‘Uma Mente Brilhante’ e ganhador do Nobel de Economia, luta contra sua esquizofrenia paranóide.
Ludwig Van Beethoven oscilava entre períodos de grande excitação e energia, seguidos de momentos de extrema depressão.
Isaac Newton, homem que inventou o cálculo e desenvolveu a Lei da Gravidade, era conhecido também por sua bipolaridade e esquizofrenia.
Homens gênios e loucos.
Como a loucura, a genialidade é algo ainda obscuro e que aguça a curiosidade de muitos estudiosos. Será que há, entre elas, algo para além da coincidência?
A loucura representa um tempo primitivo da mente, algo que se desintegrou à “normalidade”. Um céu aberto aos impulsos mais selvagens do ser humano, ao inconsciente, aos instintos. Na loucura não há o limite da realidade ou da moral. Um terreno onde a psicanálise apenas tateia entender a infinita abrangência.
Já a genialidade é esta que foge a curva. Algo que supera o limite da capacidade intelectual de todos nós, reles mortais. Medir em porcentagem o potencial cerebral utilizado por um hombre qualquer seria leviano, visto a incrível habilidade e plasticidade cerebral que possuímos.
Mas afirmo que tais gênios, responsáveis por grandes descobertas e feitios da humanidade, com certeza possuem este percentual elevado.
Será então que todo aquele com maior inteligência, terá características que o tornem, não louco, mas ao menos excêntrico? Aquilo que nos organiza – o superego, a lei -, quando intensa e desmedida, tolhe o pensamento humano criativo? Talvez não haja melhor lugar para um cérebro em seu maior potencial que em uma mente onde não haja barreiras…
Alguns pesquisadores acreditam que pessoas criativas têm uma inibição latente menor do que as outras. Inibição latente é a capacidade inconsciente da mente de ignorar estímulos sem importância. Uma explicação para o fato de que esses gênios excêntricos sabem tudo sobre tudo: prestam atenção a tudo seja lá importante ou não!
Isso também pode explicar o porquê estas pessoas parecem ser mais propensas às doenças mentais, pois se tornam incapazes de filtrar estímulos e são instáveis emocionalmente. Imaginem quão perturbador deve ser estar absolutamente atento há tudo o tempo todo.
Foi devaneando por esta dupla “loucura x genialidade” que descobri uma curiosa e fascinante síndrome chamada Savant. Os portadores desta são donos de uma memória extraordinária, ao passo que possuem sérios déficits de desenvolvimento, como dificuldade para falar ou relacionar-se socialmente.
O mais famoso savant do mundo, o americano Kim Peek, que inspirou o diretor Barry Levinson a fazer o filme Rain Man (trailer no fim do texto), aprendeu a ler aos 2 anos e sabia, aos 55, mais de 7.500 livros de cor.
Descreveu os números de rodovias que vão para qualquer cidade, vilarejo ou condado dos EUA, códigos DDD, CEPs, estações de TV e as redes telefônicas que os servem. Identificava o dia da semana de uma determinada data em segundos.
Kim era mentalmente incapacitado e dependia de seu pai para seus cuidados básicos.
Comumente presente em quadros de autismo e lesões encefálicas, a Síndrome de Savant é “como uma ilha de excelência num mar de deficiências”, descreve o psiquiatra Estêvão Valdaz, coordenador do Projeto Autismo do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Quem primeiro descreveu o savantismo foi o médico Langdon Down – também descobridor da síndrome de Down, em 1887. O médico apresentou à sociedade de Londres a doença dos “sábios idiotas” (daí idiot savant, como também é conhecida a condição). De lá para cá, pouco se avançou nas descobertas sobre as causas que levam essas pessoas a terem uma memória extraordinária.
Muitos cientistas acreditam que a síndrome está relacionada a algum dano no hemisfério esquerdo do cérebro que forçaria o lado direito a compensar essa falha.
Isto porque as habilidades desenvolvidas pelos portadores da síndrome, normalmente nas áreas de música, pintura, desenho e cálculo, são todas relacionadas com esse hemisfério. Já as funções ligadas ao lado esquerdo, como a linguagem e a fala tendem a ser pouco desenvolvidas.
Um estudo coordenado pelo americano Bruce Miller, da Universidade da Califórnia, mostrou que idosos que desenvolveram uma espetacular habilidade para a pintura depois de passarem a sofrer da doença de Alzheimer estavam com o lado esquerdo do cérebro danificado.
Porém, apesar de possuírem uma memória incrível, os savants não sabem o que fazer com tudo o que aprendem, visto sua incapacidade na relação interpessoal e no convívio em sociedade. O que adiantaria a um homem calcular contas dificílimas em segundos sem que ao menos saiba pedir um chopp em um bar ou conversar com amigos?
O desafio que nos aguarda em relação à Síndrome de Savant está em seu diagnóstico e tratamento. O primeiro é bastante difícil, já que costuma manifestar-se na infância e em quadros de autismo ou lesão cerebral.
Outro desafio está na aceitação dos pais de que seus filhos são portadores de uma síndrome, visto que estes ficam maravilhados com as habilidades dos pequenos.
Apesar de não haver cura para o savantismo, é com o diagnóstico precoce que terapias que auxiliam em seu desenvolvimento individual amenizam os sintomas e tornam possível o convívio na sociedade.
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