Ordem, progresso e amadorismo. Estas três palavras definem o acelerado ritmo de crescimento da prática do futebol americano no Brasil e a atual conjuntura da modalidade em nossas terras, que é impulsionada pelo fanatismo dos brasileiros e pela popularidade da NFL (liga americana) e do SuperBowl – a cada ano o evento bate recordes de audiência na TV nos EUA e também no Brasil (de acordo com o Global Web Index, o Brasil é o terceiro país no mundo com maior fãs da NFL, 19,7 milhões, perdendo apenas para Estados Unidos, 117 milhões, e México 23,3 milhões).
Contudo, sem o mesmo glamour americano, o desenvolvimento do esporte em nosso país acontece apenas em número de jogadores, organização de torneios e dedicação dos atuantes para elevar a modalidade a patamares relevantes no cenário mundial. Estrutura e patrocínios ainda não desenvolveram muito.
Apesar da ainda pouca falta de estrutura, a seleção brasileira – também conhecida como Brasil Onças e que em oito anos de existência tinha feito apenas cinco partidas amistosas – conseguiu no último dia 31 de janeiro a tão desejada vaga para a disputa da Copa do Mundo após uma vitória sobre o Panamá (assista ao jogo aqui). Foi a primeira partida oficial da história da Seleção.
Essa será a 5ª edição do torneio mundial (o Japão e os Estados Unidos já foram bicampeões), que contará com a participação de seleções (Austrália, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Japão e México). O evento acontecerá em julho em Ohio, EUA, terra onde nasceu a NFL.
E esse é um feito histórico não só para o futebol americano brasileiro, mas para o esporte nacional.
“Foi um sonho para a gente. Quando começamos, lá em 2007, nunca imaginávamos que isso poderia acontecer. As coisas foram tomando corpo e percebemos que tínhamos chance de chegar para jogar o Mundial. Mesmo assim, falta muito coisa acontecer para o esporte ser profissional no Brasil, porque o que faz o esporte ficar vivo é somente o amor dos atletas e de todos envolvidos”, contou ao El Hombre Dhiego ‘Gordo’ Taylor, atleta da seleção brasileira.
Investimento próprio
Quando Dhiego fala em amor pelo esporte, entenda que também está incluso nessa paixão o investimento em dinheiro – até mesmo para os atletas que integram a seleção brasileira.
Para disputar a partida contra o Panamá no país local, muitos precisaram desembolsar aproximadamente R$ 3.500 para pagar todos os custos da viagem. Alguns chegaram a vender bens, como carro e moto, para acumular o montante necessário. Além disso, a delegação brasileira recebeu ajuda da Confederação Panamenha de Futebol Americano, que custeou toda hospedagem e alimentação dos brasileiros.
Nosso entrevistado foi uma exceção. Ele teve todo o custo da viagem para o Panamá bancado pelo seu time, a Portuguesa. “Se eu não tivesse este apoio, certamente não iria disputar este jogo tão importante. Eu e outros poucos jogadores recebemos ajudas de nossos times para defender a seleção. Agradeço muito a todos da Portuguesa”, explicou Dhiego, que é morador da cidade de Santos e precisa, todo fim de semana, ir a São Paulo para treinar nas dependências da Lusa.
Apesar de receber ajuda de custo para transporte e alimentação, Dhiego, que é desenhista profissional, não recebe salário para jogar.”Como te disse, fazemos isto realmente por amor.”
“E esta é uma realidade do futebol americano no Brasil. O esporte é amador. Os jogadores não recebem salário e não temos apoio financeiro por enquanto. A Confederação Brasileira faz de tudo para nos ajudar, mas, mesmo assim, falta dinheiro para custear viagens e para o aprimoramento do esporte”, confessou também o técnico da seleção brasileira, Dan Muller.
“Saímos do zero e hoje temos uma Confederação estruturada que deu a possibilidade da seleção conquistar a vaga para o Mundial. Estamos embalando e certamente teremos um crescimento ainda maior no futuro”, explicou o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol Americano Flávio Cardia, que foi o pioneiro na instituição e deixou o comando um dia após a vitória sobre o Panamá. Quem assumirá o projeto agora é o novo mandatário Guto Sousa. “O projeto é estruturar e profissionalizar o esporte”, garante Guto.
Realidade da modalidade no Brasil
De acordo com números da Confederação Brasileira de Futebol Americano, atualmente existem 130 times no Brasil, com média de 60 atletas por equipe – o que dá aproximadamente 7800 jogadores. Cada time paga uma anuidade de R$ 750 para cada entidade estadual, que é vinculada à Confederação Brasileira de Futebol Americano – esta que organiza as competições nacionais.
Existem atualmente duas divisões da Superliga Nacional no Brasil, além de torneios estaduais como os Campeonatos Paulista e Carioca. Nas disputa destes torneios, existem times que não conseguem bancar as viagens para jogar em outro estado, e quem as custeia são os próprios jogadores.
“Times maiores conseguem pagar as viagens e deixam os jogadores mais tranquilos somente para treinar”, explica Dhiego, que demonstra ainda todo o esforço dos atletas. Arrumamos horários durante a semana para treinar e ainda temos que arrumar espaço para as viagens e jogos.”
“Deixamos muita coisa de lado, até mesmo a família pelo futebol americano. Isto tudo sem salário e ajuda financeira. Imagina se o esporte fosse profissional? Poderíamos ser uma potência, por que não?”, questiona Dan Muller.
A seleção brasileira foi montada em 2007. Na ocasião, o primeiro jogo foi um amistoso contra o Uruguai. “Para este jogo só foi, na verdade, quem tinha dinheiro para pagar a viagem. Então foi um catadão dos que podiam pagar. Mesmo assim a Seleção perdeu por 16 a 14”, explica Dhiego. Em abril de 2014 o Brasil Onças enfrentou novamente o Uruguai Charruas, mas dessa vez venceu por 49 a 0 (veja o vídeo da partida aqui).
A partida seguinte demorou nada menos que cinco anos para acontecer. Em 2012 disputamos outro amistoso, desta vez contra o Chile. Vencemos por 49 x 0 e o pessoal se animou para conseguir voos maiores. Tal voo foi a vaga para o Mundial.
“Mundial? A ficha ainda nem caiu que estaremos no torneio. Mas lá enfrentaremos muitas dificuldades. Certamente o mais difícil será lidar com a experiência que as outras seleções têm. Não dá para saber como nós competiremos”, garante Dan Muller.
Antes da partida contra o Panamá a Seleção ainda disputou um amistoso contra a Seleção Carioca no final do ano passado, vencendo por 17 a 6 (veja o vídeo do jogo aqui), e outro em 25 de janeiro desse ano contra a Superliga Nordeste de Futebol Americano, ganhando por 57 a 0 (confira o vídeo do jogo aqui).
Todo esforço foi feito e a vaga está assegurada, mas nem tudo é mil maravilhas. O que falta agora para a seleção está fora de campo: investimento para pagar os 35 mil dólares da inscrição do Mundial e também os custos da viagem.
“Para gente as coisas sempre foi difícil e sempre passamos por tudo”, finaliza Guto.
NR: Existe um brasileiro na NFL, o Cairo Santos, porém, ele não pode atuar pela seleção brasileira, uma vez que a liga americana não libera seu jogadores para defenderem seus países.
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