Joan Didion, em sua clássica reflexão sobre a perda, observou que a dor, quando chega, não é nada do que esperamos. Já Abraham Lincoln, em uma carta de consolo, escreveu sobre como o tempo torna a dor “um sentimento triste e doce no coração”.
Mas, afinal, qual é o mecanismo dessa transmutação da dor em doçura, e como dominá-lo antes que ele nos domine?
Muito antes de Didion e antes de Lincoln, outro gigante do pensamento — o grande filósofo romano Lucius Annaeus Sêneca — abordou esse assunto no que pode ser considerado a obra-prima da literatura de consolação, incorporando em sua missiva uma elegante síntese dos princípios centrais do Estoicismo sobre resiliência.
No ano 41, Sêneca foi condenado ao exílio na ilha mediterrânea da Córsega, acusado de ter um relacionamento com a irmã do imperador. Nos dezoito meses seguintes, ele escreveu uma de suas obras mais extraordinárias — uma carta de consolo à sua mãe, Helvia.
Helvia era uma mulher marcada por perdas inimagináveis — sua própria mãe morreu ao lhe dar à luz, e ela sobreviveu ao marido, ao tio e a três de seus netos. Vinte dias após a morte de um de seus netos, recebeu a notícia do exílio do filho. Essa última desgraça, sugere Sêneca, derrubou a torre de perdas acumuladas. Isso o levou a escrever “Consolação a Helvia”, incluída em seus diálogos e cartas.
A missiva pertence ao antigo gênero de consolatio, datando do século V a.C. Esta é uma tradição literária de cartas que são semelhantes a ensaios, escritas para confortar entes queridos enlutados. O que torna a missiva de Seneca incomum é o paradoxo que lhe confere poder. Nela, a pessoa cuja desgraça está sendo lamentada – o próprio Sêneca – também é o consolador do enlutado.
Seneca escreve:
Querida mãe,
Muitas vezes quis consolá-la, porém muitas vezes me contive. Numerosas coisas me encorajavam a fazê-lo. Primeiro, e principalmente, pensei que ao enxugar suas lágrimas, mesmo que não pudesse impedi-las de vir, deixaria meus próprios problemas de lado. Depois, não duvidei que teria mais poder para levantá-la se eu primeiro me levantasse… Estancando meu próprio corte com a mão, eu fazia o meu melhor para avançar e curar suas feridas.
Mas o que impediu Sêneca de intervir na dor de sua mãe foi, acima de tudo, a consciência de que a dor deve ser vivenciada, em vez de imediatamente tratada como um problema a ser resolvido. Ele escreve:
Percebi que sua dor não deveria ser invadida enquanto estava fresca e agonizante, porque para uma doença nada é mais prejudicial do que um tratamento prematuro. Então, eu estava esperando até que ela perdesse a força por conta própria e, assim, permitisse ser tocada, bem como manuseada.
Agora oferecerei à mente todas as suas tristezas, todos os seus trajes de luto: esta não será uma receita gentil para a cura, mas cauterização e faca.
Em consonância com sua estratégia de imunização contra a desgraça, Sêneca considera os benefícios de uma confrontação crua da tristeza:
Deixem lamentar aqueles cujas mentes autoindulgentes foram enfraquecidas pela prosperidade longa. Deixem-nos desabar diante da ameaça das mais triviais lesões. Ao passo que aqueles que sofreram outros desastres anteriormente devem suportar as piores aflições com bravura e resolução inabaláveis. A desgraça possui uma verdadeira bênção: endurece aqueles a quem constantemente aflige.
Em um sentimento de estoicismo intransigente, ele acrescenta:
Todas as suas tristezas foram desperdiçadas em você se você ainda não aprendeu a ser infeliz.
Observando a dificuldade particular de sua situação — sendo ao mesmo tempo o consolador e o motivo da dor de sua mãe —, Sêneca encontra amplificada a dificuldade geral de encontrar palavras adequadas diante da perda:
Um homem levantando a cabeça da própria pira funerária deve precisar de um vocabulário novo, não fruto do consolo cotidiano, para confortar seus entes queridos. Mas toda dor grande e avassaladora nos priva da capacidade de escolher palavras, pois muitas vezes sufoca a própria voz.
Em vez de meras palavras, Sêneca produz uma obra-prima retórica, trazendo a essência da filosofia estóica à vida com partes iguais de lógica e talento literário. Ele escreve:
Nesse ínterim, devo dizer que decidi conquistar sua dor, não enganá-la. Mas farei isso, penso eu, primeiro mostrando que não estou sofrendo nada pelo qual possa ser chamado de um desgraçado, nem que esteja passível de desgraçar a minha família; depois, se eu me voltar para você e mostrar que sua sorte também não é dolorosa.
Primeiro tratarei do fato, que seu amor está ansioso para ouvir, de que não estou sofrendo nenhuma aflição. Assim também, vou deixar claro que as circunstâncias que você acredita que estão me esmagando podem ser suportadas. Mas, se você não pode acreditar nisso, pelo menos ficarei mais satisfeito comigo mesmo por estar feliz em condições que normalmente tornam os outros homens miseráveis. Não acredite no que lhe dizem sobre mim. Estou lhe dizendo firmemente que não sou infeliz, para que você não fique agitada pela incerteza. Para tranquilizá-la ainda mais, acrescentarei que, sob o mesmo ponto de vista, nem mesmo posso ser feito infeliz.
Nascemos, enfim, em circunstâncias que seriam muito favoráveis se não as abandonássemos. A intenção da natureza era, a princípio, que não houvesse necessidade de grandes equipamentos para uma boa vida. Cada indivíduo pode se fazer feliz. Bens externos são de importância trivial e sem muita influência em qualquer direção. A prosperidade não eleva o sábio e a adversidade não o deprime, pois ele sempre se esforçou para, primeiramente, depender o máximo possível de si mesmo e derivar todo o prazer de si mesmo.
Ecoando seu ethos animador de preparação deliberada para os piores momentos, ele acrescenta:
A Fortuna cai pesadamente sobre aqueles para quem é inesperado. A pessoa que está sempre esperando por ela resiste facilmente. Pois a chegada de um inimigo também dispersa aqueles que são pegos desprevenidos, mas aqueles que se prepararam com antecedência para o conflito iminente resistem ao primeiro ataque, que é o mais violento. Nunca confiei na Fortuna, mesmo quando ela parecia oferecer paz. Em outras palavras, todas aquelas bênçãos que ela gentilmente me concedeu — dinheiro, cargo público, influência —, eu releguei a um lugar de onde ela poderia reivindicá-las sem me incomodar. Mantive uma grande distância entre elas e eu, com o resultado de que ela apenas as levou embora, não as arrancou.
Logo depois, Sêneca faz um caso sóbrio para o mecanismo de autoproteção mais poderoso na vida: a disciplina de não dar nada como garantido:
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