O arrependimento é uma reação consciente e emocional negativa aos atos e comportamentos pessoais passados. Ele vem acompanhado de sentimentos como tristeza, vergonha, embaraço, depressão, irritação ou culpa.
Alguns anos atrás, Gordon Marino, um filósofo especializado em Kierkegaard, louvou o arrependimento em um artigo de opinião no New York Times. Esta será minha resposta, defendendo que o arrependimento nunca é uma reação útil aos eventos passados.
Não surpreende que Marino inicie seu ensaio com Kierkegaard, fundador do Existencialismo, filosofia que se opõe ao Estoicismo. Em seguida, ele cita Bernard Williams, renomado filósofo moral do século XX, que argumenta que, ainda que alguém fira outra pessoa sem ter culpa, espera-se que sinta remorso. Tome, por exemplo, o caso de um motorista que atropela uma criança que cruzou a rua inesperadamente. Por mais que seja apropriado confortar o motorista, ele observa que é importante que o mesmo sinta-se culpado, levantando dúvidas sobre um motorista que se console com demasiada facilidade.
Marino contrasta a visão de Williams com a de Spinoza, filósofo simpático ao pensamento estóico, que considerava o remorso e o arrependimento como intoxicantes perniciosos que interferem em nosso entendimento. Nietzsche, sendo ele mais próximo dos Existencialistas que dos Estoicos, considerou o remorso “um segundo ato de estupidez, depois do primeiro”.
Discordando, Marino argumenta que “Podemos aprender a deixar as coisas para trás, mas antes precisamos permitir que o arrependimento nos domine.”
Ele prossegue: “Como Freud e Kierkegaard ensinaram, devemos sempre considerar o afeto, o sentimento com que uma ideia é expressa, para começarmos a compreender o significado que ela tem para nós. Um veterano do Vietnã, exemplo, certamente tornou-se uma pessoa melhor por ter refletido e se envergonhado de seu comportamento do que se tivesse resolvido que o que está feito, está feito e nunca mais pensasse nisso.”
E mais: “Kierkegaard observou que você não muda Deus quando ora, você se muda. Talvez seja o mesmo com o arrependimento. Não posso retroceder e apagar minhas ações passadas, mas talvez eu mude quem sou no ato de remorso.”
Concluindo: “Henry David Thoreau aconselhou: ‘Aproveite ao máximo seus arrependimentos; jamais sufoque a sua tristeza, mas cuide dela e a cultive até que tenha um interesse separado e integral. Se arrepender profundamente é viver de novo.’ Viver de novo é nascer moralmente de novo.”
Talvez, mas nada do que foi dito constitui um argumento filosófico propriamente dito.
Marino sugere que o remorso sobre ações passadas pode mudar quem somos, presumivelmente para que aprendamos com nossos erros e evitemos repeti-los. Além disso, o seu contraste com uma atitude casual de “o que está feito, está feito e nunca mais pensar nisso” sugere que ele não considera uma abordagem cognitiva suficiente, sendo necessária uma perturbação emocional.
Os Estóicos têm uma visão completamente diferente. Emoções negativas, como o arrependimento, são consideradas paixões negativas e, portanto, prejudiciais. O objetivo da prática estóica é alcançar a apatheia, interpretada não como ausência de paixões, mas como equanimidade, uma atitude desapaixonada em relação aos eventos.
A ideia é que devemos aprender com os eventos passados, incluindo nossos erros, mas com equanimidade, sem nos entregarmos a sentimentos de culpa que não fazem nada além de nos fazer sentir mal por alguma coisa que não pode ser mudada.
A inalterabilidade do passado é outra aplicação da dicotomia do controle estóica, tão prevalente em Epicteto: o que já aconteceu não está sob nosso controle, mas nossas ações atuais estão. Portanto, devemos nos concentrar no aqui e no agora, onde nosso poder de agência é efetivo, e não em algo que agora está permanentemente fora de nosso alcance.
O argumento estóico contra o arrependimento é que: I) ele interfere em nossas tentativas de alcançar apatheia; e II) ignora a dicotomia do controle, evidenciada pelo fato de que o passado está fora de nosso controle. Isso, contudo, não significa que o Estoico não se importe em ter cometido erros ou não queira aprender com eles para evitar futuros. Por exemplo, Sêneca sugere uma reflexão diária sobre as próprias ações para melhorar.
E, sobre o veterano do Vietnã, refletir sobre ações moralmente questionáveis ou erradas e se comprometer a melhorar no futuro é válido, mas se entregar a sentimentos negativos não corrige nada nem melhora o indivíduo como ser humano.
Existe ainda outro ângulo estóico sobre o arrependimento: em vez de continuar lamentando o que não pode mais ser mudado, é hora de agir positivamente. Como Marco Aurélio lembra, o Estoicismo é sobre ação, e não palavras: “Não fale mais sobre que tipo de homem o bom homem deve ser, mas seja um.”
Portanto, pare de se arrepender do que não pode mais mudar e vá fazer o bem. Há muita necessidade disso.
Esse texto foi publicado originalmente no site How to Be a Stoic.
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