A comunidade científica mundial teve um rebuliço neste fim de fevereiro, com direito a anúncio em rede nacional no nosso país pelo neurocientista Miguel Nicolelis. Para quem não conhece, Nicolelis é provavelmente o mais importante pesquisador do cérebro do nosso país, responsável por um grande centro de pesquisa em Natal (RN), que realiza pesquisas de ponta sobre o sistema nervoso, em conjunto com diversas instituições internacionais.
O motivo de tanta agitação? Em um experimento, a equipe de Nicolelis, em associação com seus colegas internacionais, conseguiu fazer com que as ações de um rato influenciassem as ações de outro rato. Até aí, nada difícil de fazer. Um rato bully pode muito bem ameaçar o outro e conseguir o que quer. A única coisa é que, para tal, seus cérebros estavam conectados.
Minúsculos fios foram conectados ao cérebro do primeiro rato, enjaulado em um local com duas teclas e que foi treinado para apertar uma delas, para receber alimento em troca. Outro rato, também conectado pelo cérebro, foi treinado para, através das informações recebidas, escolher a tecla adequada. Com isso, ambos receberiam alimentos. E o experimento deu certo mesmo quando um estava nos EUA, e outro, aqui.
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O que diferenciou tudo do acaso foi o número de vezes que o segundo rato acertou: ao redor de 70%, mais do que seria esperado ao acaso. Nas previsões de Miguel Nicolelis, um visionário otimista apaixonado pelo Palmeiras (que mantém o otimismo mesmo na segunda divisão), em 100 anos teremos uma rede de cérebros interconectados.
Na teoria, isso é possível. Mas acredito que exista uma dose exagerada de otimismo nesta ideia. Fazer um rato interferir nas ações do outro através de uma interconexão é uma coisa. Tornar acessível a mente do outro e compartilhar informações e pensamentos a seu bel prazer é outra totalmente diferente. Da mesma forma como, dois ou três anos atrás, foi veiculada a notícia absurda de que conseguimos ler a mente das pessoas, só porque através de um aparelho de SPECT (que vê o metabolismo cerebral) foi possível avaliar, bem superficialmente, se a pessoa estava pensando em uma coisa ou não — e não os detalhes, as imagens e o que exatamente ela pensou. Este experimento foi apenas um passo bastante rudimentar.
O cérebro é uma estrutura extremamente complexa, que não funciona da mesma forma que computadores: não é tudo 0 e 1. Estaria mais para a física quântica: tudo depende de como os neurônios estão dispostos, das suas conexões, e do fato de que eles podem transmitir muito mais do que 0 e 1 – provavelmente, todos os outros números. É como se os computadores funcionassem em 2D, e o cérebro, em 3D. Como conseguir fazer um quadrado compreender o que é um cubo? Difícil. É esta a tarefa que ainda teremos pela frente. E acho que eu, pelo menos, não viverei o suficiente para ver isso.