A carta de José Mayer, a coragem de Susllem e a reflexão que todo homem deveria fazer

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Ao denunciar o assédio disfarçado de “brincadeira” que sofreu de José Mayer, a figurinista Susllem Tonani jogou luz num tema nebuloso e, assim, abriu as portas para uma discussão que está contribuindo bastante para a igualdade dos gêneros.

Para quem não acompanhou o caso, um resumo: Susllem, 28 anos, é figurinista da Globo. Durante 8 meses trabalhando na emissora, ela foi vítima constante de assédio moral e sexual do ator José Mayer.

Tudo começou com elogios simples (“Como você é bonita”), passou para cantadas agressivas (“Você nunca vai dar para mim?”) e chegou ao ponto em que ele “colocou a mão na minha buceta”, nas palavras da própria Susllem.

A gota d’água foi quando ele a chamou de “vaca” na frente de 30 pessoas e a ameaçou de tocá-la de novo. Susllem, então, foi ao RH da empresa relatar o episódio e escreveu um artigo para o blog #AgoraÉQueSãoElas, da “Folha”, contando o caso. É uma leitura indispensável para todo homem.

A CORAGEM DE SUSLLEM

A coragem de Susllem foi admirável. Num mundo em que (infelizmente) esse tipo de “brincadeira” abusiva é aceita (Mayer passou a mão em Susllem na frente de duas outras mulheres, que riram da “piada” e não fizeram nada) ela se impôs contra o status quo.

E sua bravura foi recompensado com o apoio de milhares de pessoas, incluindo várias atrizes da Globo. Elas compartilharam nas redes sociais fotos vestindo uma camiseta com a seguinte mensagem: “Mexeu com uma, mexeu com todas #ChegaDeAssédio”.

O significado desse movimento é muito grande. Foi uma mensagem clara de que assédio não é brincadeira — e de que as mulheres estão dispostas a lutar juntas contra essa cultura sexista.

A POLÊMICA CARTA DE DESCULPAS

Eis que, depois de negar tudo num primeiro momento, José Mayer acabou admitindo a culpa e publicou a seguinte carta de desculpas:

Carta aberta aos meus colegas e a todos, mas principalmente aos que agem e pensam como eu agi e pensava:

Eu errei. Errei no que fiz, no que falei, e no que pensava. A atitude correta é pedir desculpas. Mas isso só não basta. É preciso um reconhecimento público que faço agora.

Mesmo não tendo tido a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar, admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas. Sou responsável pelo que faço.

Tenho amigas, tenho mulher e filha, e asseguro que de forma alguma tenho a intenção de tratar qualquer mulher com desrespeito; não me sinto superior a ninguém, não sou.

Tristemente, sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são.

Aprendi nos últimos dias o que levei 60 anos sem aprender. O mundo mudou. E isso é bom. Eu preciso e quero mudar junto com ele.

Este é o meu exercício. Este é o meu compromisso. Isso é o que eu aprendi.

A única coisa que posso pedir a Susllen, às minhas colegas e a toda a sociedade é o entendimento deste meu movimento de mudança.

Espero que este meu reconhecimento público sirva para alertar a tantas pessoas da mesma geração que eu, aos que pensavam da mesma forma que eu, aos que agiam da mesma forma que eu, que os leve a refletir e os incentive também a mudar.

Eu estou vivendo a dolorosa necessidade desta mudança. Dolorosa, mas necessária.

O que posso assegurar é que o José Mayer, homem, ator, pai, filho, marido, colega que surge hoje é, sem dúvida, muito melhor.

José Mayer

A carta causou polêmica. Depois da atitude imperdoável que teve com Susllem — vamos lembrar que não foi apenas assédio moral, mas sexual também — José Mayer teve pelo menos a humildade de pedir desculpas.

Isso é bom. Quando um cara como José Mayer — o galã pegador das novelas, o Chuck Norris brasileiro, o estereótipo do machão clássico — reconhece publicamente que o machismo é um mal para a sociedade e convida todos os homens para refletirem sobre o assunto, é um sinal que os tempos estão mudando.

O problema? Suspeita-se que a carta não tenha sido escrita por ele e, sim, por uma assessoria de imprensa. O que nos leva a crer que talvez a motivação da carta não seja contribuir para a igualdade dos gêneros e, sim, tentar salvar a carreira dele?

NÃO FOI UM “ERRO”, FOI UM CRIME

Além disso, muitas mulheres apontaram erros graves na carta.

Um deles foi dizer o seguinte: “Tristemente, sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas”.

Como se a vítima fosse ele na história, por fazer “tristemente” parte dessa geração. Melhor seria ter admitido a culpa para si mesmo — e não ter delegado para a educação que teve.

Até porque ele não cometeu apenas um “erro”, como diz na carta, mas um crime, ao passar a mão numa mulher contra a vontade dela. Qualquer cara da sua geração com o mínimo de caráter sabe que fazer isso é um absurdo.

A REFLEXÃO QUE TODO HOMEM DEVERIA FAZER

De qualquer jeito, é impossível saber se ele foi sincero ou não com a carta.

Só o tempo dirá se José Mayer está realmente disposto a fazer sua parte na luta pela igualdade do gênero, o que requer um esforço maior do que (supostamente) contratar uma assessoria de imprensa para se desculpar em seu lugar.

E esse episódio deixou claro que nós, homens, precisamos urgentemente refletir sobre as nossas atitudes. Aquelas “brincadeiras” que parecem inocentes, tipo buzinar para uma mulher na rua ou passar uma cantada explícita, são assédio.

Mesmo que a piada não tenha a intenção de ofender ou humilhar, pode causar constrangimento e vergonha à vítima.

Se você quer contribuir com a igualdade dos gêneros, um bom começo é parando com essas atitudes — e repreendendo quem fizer isso perto de você.

Pedro Nogueira

Fundador e editor-chefe do "El Hombre" e do "Moda Masculina". Adora jogar tênis, ler livros e passear com seus pets.

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