Já ouviu falar de transtornos de personalidade? Talvez não nesses termos, mas com certeza você conhece uma pessoa que foi diagnosticada com borderline, alguém que relata que já se envolveu com um narcisista, ou ainda leu na mídia sobre crimes cometidos por um psicopata, ou sociopata.
Quer você saiba, quer não, aí estão três exemplos de transtornos de personalidade. Mas eles não são os únicos: há dez transtornos de personalidade listados do DSM-5, e aqui vamos abordar brevemente cada um deles.
Como, então, definir essa patologia? Um transtorno de personalidade consiste, antes de mais nada, em um padrão de experiências internas e de comportamentos externos que são diferentes das normas e das expectativas culturais, e que causam perturbação, dor e prejuízo tanto àquele que dele sofre quanto àqueles ao seu redor.
Para que determinados sintomas sejam considerados constituintes da manifestação de um transtorno de personalidade em específico, é preciso que eles afetem ao menos duas entre as seguintes áreas: a maneira como você pensa, a maneira como você expressa suas emoções, a maneira como você se relaciona com as pessoas e a maneira como você controla os seus impulsos. Trata-se de um padrão inflexível, que se repete em múltiplas áreas da vida de uma pessoa e costuma ser estabelecido até o fim da adolescência ou início da vida adulta.
Como dissemos anteriormente, há dez transtornos de personalidade e eles são divididos em três grupos, ou Clusters. A divisão se dá de acordo com as características que tais patologias compartilham entre si.
Eis um resumo breve a respeito de cada uma dessas patologias:
CLUSTER A
Aqueles que sofrem dos transtornos de personalidade da Cluster A têm inevitavemente uma aparência excêntrica ou peculiar.
O primeiro entre eles é o Paranoide, que envolve um padrão constante de suspeita e de desconfiança. Aqueles que dele sofrem interpretam os motivos alheios como malévolos.
Em seguida, temos o Esquizoide, que exibe um padrão de distanciamento social e uma amplitude limitada de expressões emocionais – são pessoas solitárias e muito pouco expressivas emocionalmente. Muitos confundem o transtorno em questão com o Autismo. Contudo, há diversos sintomas que não batem. O paciente esquizoide, por exemplo, não possui o hiperfoco e a hipersensibilidade a estímulos do paciente autista.
No transtorno Esquizotípico, vemos tremendo desconforto e dificuldade em relacionamentos sociais, distorções cognitivas de percepção e a tendência a exibir comportamentos excêntricos. Há uma correspondência com a própria Esquizofrenia, embora não se trate da mesma patologia – mas, segundo o DSM-V, cerca de 20% dos esquizotípicos desenvolvem a Esquizofrenia mais tarde na vida.
CLUSTER B
Em transtornos de personalidade da Cluster B, os pacientes exibem um comportamento que pode ser descrito como dramático, emocional ou errático.
No transtorno Antissocial, o famoso sociopata ou psicopata, temos um padrão de indiferença ou de violação relativos aos direitos alheios. Também observamos dificuldade em controlar os impulsos, tendência a experimentar o tédio, e a baixa emocionalidade, sendo a raiva uma das únicas emoções sentidas com frequência.
Já os pacientes limítrofes, ou Borderline, possuem um padrão de instabilidade em relacionamentos interpessoais, autoimagem negativa, alta expressividade emocional e notável impulsividade. Seus sentimentos e humores variam de maneira constante e a maioria experimenta ideação ou tentativas de suicídio de maneira recorrente.
No transtorno Histriônico, vemos pessoas dramáticas, extremas, que buscam atenção a todo custo. Podem parecer superficiais, amigáveis e excessivamente amistosos. São sexualmente sedutores, usam a aparência física para atrair a atenção e têm emoções voláteis, mas não particularmente profundas. (Para diferenciarmos histriônicos de borderlines, o ideal é avaliar a raiva – os histriônicos não exibem sentimentos de raiva, idealização e desprezo, e raramente padrões autodestrutivos, exceto quando o transtorno é comórbido).
Já no Narcisismo, temos um padrão de grandiosidade, necessidade de admiração e ausência de empatia. Falham em levar em conta as necessidades alheias.
CLUSTER C
Nos transtornos de personalidade da Cluster C, a Cluster final, as pessoas expressam ansiedade e medo de maneira frequência, o que prejudica a sua vida cotidiana e os seus relacionamentos.
No transtorno Evitativo, sobre o qual publicamos um texto recentemente, temos uma inibição social extrema, o sentimento de inadequação e a hipersensibilidade quanto a avaliações negativas. Essas pessoas se sentem imensamente envergonhadas em ambientes sociais. Esse transtorno se assemelha à ansiedade social, mas é mais duradouro e não responde com a mesma eficácia aos tratamentos.
No transtorno Dependente, temos pessoas submissas e apegadas, que não parecem capazes de conduzir as próprias vidas de maneira independente e necessitam constantemente serem cuidadas. O paciente dependente revela grandes dificuldades para tomar qualquer decisão, e coloca grande esforço e energia no ato de encontrar e manter suporte.
Por sua vez, os Obsessivo-Compulsivos exibem um padrão extremado de preocupação com o asseio, o controle e o perfeccionismo.
PERGUNTAS COMUNS SOBRE OS TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE
O QUE CAUSA UM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE?
Resumidamente, fatores genéticos, biológicos e ambientais: uma mistura de tendências genéticas com traumas, em especial na primeira infância.
Em termos genéticos, por exemplo, estima-se que quando uma pessoa possui um parente de primeiro grau com um transtorno de personalidade, a sua chance de desenvolvê-lo é cinco vezes maior do que a de outras pessoas.
Sobre abusos e traumas, podemos dar o exemplo do transtorno de personalidade Borderline: entre 70% e 75% dos pacientes diagnosticados com este foram vítimas de abuso sexual em sua infância. Igualmente, abuso físico e verbal aumenta em três vezes a chance de se desenvolver o distúrbio.
É possível ter mais de um transtorno de personalidade ao mesmo tempo?
Comorbidades são extremamente comuns em transtornos de personalidade. Não é raro que uma pessoa que tenha o diagnóstico de um transtorno tenha também outro ou alguma outra condição mental subjacente (bipolaridade, TOC, depressão). Geralmente, há mais comorbidades dentro de uma mesma Cluster do que entre Clusters diferentes, mas isso não é uma regra.
Embora haja determinados mitos de que um paciente não pode ter dois transtornos de personalidade ao mesmo tempo pois invalidam um ao outro, a Psiquiatria tem claro que é perfeitamente cabível, mesmo em transtornos que costumam ser encarados como opostos: por exemplo, segundo diversos estudos cerca de 40% dos indivíduos diagnosticados com transtorno de personalidade borderline poderiam se qualificar para um diagnóstico de personalidade narcisista.
Quais são os melhores tratamentos para transtornos de personalidade?
Em casos de pacientes borderline, uma abordagem chamada DBT, desenvolvida por Marsha Linehan, que também tem o transtorno, é considerada a mais indicada. Para os demais, a TCC costuma exercer um bom efeito. Infelizmente, para os narcisistas e os antissociais a situação é mais complicada, porque essas pessoas geralmente não buscam ser ajudadas e não conseguem se responsabilizar pelo caos que provocam em suas próprias vidas.
Os transtornos de personalidade são “curáveis”?
Não existe cura para transtornos de personalidade, mas tratamento. No entanto, há uma luz no fundo do túnel: por mais que haja uma continuidade de sintomas em todos os transtornos, e os mesmos tendam a perdurar durante toda a vida do paciente, encontramos em determinados transtornos um grau de remissão na meia-idade. Isso se manifesta em especial nos casos de pacientes limítrofes e antissociais. Já os obsessivo-compulsivos e os esquizoides são os que menos demonstram mudanças.
É importante notar que, quando há o uso de substâncias químicas, os sintomas dos pacientes limítrofe e antissociais são intensificados, e não há remissão ao longo do tempo. Por isso, é necessário que tais substâncias sejam evitadas a todo custo.
Qual é o transtorno de personalidade mais comum?
Aparentemente, o Obsessivo-Compulsivo, seguido do Evitativo. É importante notar que a prevalência de transtornos de personalidade é entre 10 a 15% da população, número que se mantém estável entre as faixas etárias.
Entre todos os transtornos, qual prejudica mais a convivência?
Em termos de danos emocionais causados a parceiros românticos, a parentes e a amigos próximos, os transtornos da Cluster B – Narcisista, Borderline e Antissocial, assim como o Paranoide. Já em relações profissionais, os indivíduos narcisistas, antissociais e, por fim, os obsessivo-compulsivos (por motivos diferentes) tendem a ser os de mais difícil trato.