A maior parte das coisas que dizemos e fazemos é inútil. São palavras de tio Fábio, um falecido homem sábio do interior, Deus o tenha. Imagino que ele tenha se inspirado, nessa frase de imensa sabedoria, em Sêneca, seu filósofo predileto. E meu. Imagino, não. Tenho certeza. Tio Fábio sempre gostou de citar expressões deliciosamente ferinas de Sêneca relativas à ideia do esforço em vão, do suor vertido por nada ou quase nada. Uma delas: agitação estéril. Outra: preguiça excitada. Lembro-me de ouvir tio Fábio contar que Sêneca comparava as ações inúteis ao trabalho das formigas que descem e sobem o tronco da árvore sem nenhum propósito.
Penso que isso acontece com quase todo mundo: uma dificuldade poderosa de ficar sem fazer nada. Simplesmente contemplar as coisas. Refletir sobre nós mesmos. Não nos permitimos o ócio. Pegar uma sessão das 2 no meio da semana. Tomar um sorvete no parque no meio da tarde, sob a sinfonia natural da passarada e das folhas tocadas pela brisa. Ou simplesmente fechar os olhos e pensar. Estamos sempre fugindo de nós mesmos. Fugindo de nós mesmos: claro que essa frase de gênio não é minha, mas de um poeta e filósofo romano chamado Lucrécio. Estoico. Sou fascinado pelo lema dos estoicos. Abstém-te e suporta. Em latim soa como um grito épico.
Parecer ocupado é considerado importante, mais do que estar mesmo ocupado. Na vida corporativa, isso chega a extremos de comédia. The Office, o maravilhoso seriado estrelado por Steve Carell, é mais real do que a gente possa imaginar. Quer rir, relaxar, esquecer os problemas? Alugue dvds de The Office. George Costanza, de Seinfeld, é outro mestre da simulação de atividade. Li numa revista que uma empresa de recolocação de executivos desempregados arruma para eles escritório e secretária para que finjam trabalhar. (E fujam de si mesmos, ocorre-me.) Suspeito que tudo isso se encaixe no que Sêneca chamou de agitação estéril.
Esqueça agora a empresa. Seu tempo é livre? Pois então você se sente compelido interiormente a ocupá-lo. Você pega o celular e telefona à primeira pessoa que lhe venha à mente, mesmo que não tenha o que dizer. Ou então se instala em frente do computador e entra e sai do Facebook. Você sobe a escada. Depois desce. Todos nós fazemos isso. Subimos escadas e descemos como as formigas de Sêneca. Sem propósito. Apenas porque não conseguimos ficar sozinhos com nós próprios. Atenção. Eu sou uma formiga de Sêneca. Tenho consciência disso, e é um bom começo para tentar mudar.
Registro aqui o elogio do ócio, numa época de tantos movimentos por nada, de tanta agitação sem nexo. E penso, comovido, numa canção de John Lennon. Ouço-a mentalmente. Watching the Wheels. Olhando para as rodas. Ele dizia que as pessoas estranhavam vê-lo sentado, de olho nas rodas dos carros que passavam e passavam. “Apenas gosto de vê-las girar”, disse John. John Lennon nesse momento foi tão sábio quanto meu tio Fábio, quanto Sêneca, quanto todos aqueles que se insurgem contra a fuga automática e neurótica de si mesmos.
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