Nas vésperas do “Royal Wedding”, apelido dado pela mídia britânica ao casamento entre o príncipe William e Kate Middleton, muito se falou na rua Savile Row e na loja Gieves & Hawkes. Ao que tudo indicava, a exclusiva alfaiataria fora escolhida por William para fazer seu terno de casamento. O que não surpreendeu a ninguém: fundada em 1771, a grife tem um relacionamento de séculos com a monarquia britânica. Em 1809, durante o reinado de Jorge III, a Gieves & Hawkes recebeu o seu primeiro Royal Warrant, uma espécie de título concedido a empresas que servem à família real — e até hoje mantém essa honra.
Mas William, que serve à Força Aérea Real, acabou preferindo usar um uniforme militar na festa. A Gives & Hawkes produz, também, esse tipo de roupa; mas sua especialidade é o uniforme da marinha. Como William decidiu-se pelo vermelho da infantaria Guarda Irlandesa, ficou sob a responsabilidade da Kashket & Partners vesti-lo. Se isso diminuiu o prestígio da Gieves & Hawkes e da Savile Row, onde sua matriz fica hospedada e talvez a rua elegante de Londres? De jeito nenhum. A decisão de William foi expressamente política — muitos de seus antecessores reais optaram pela veste militar no casamento para prestigiar as forças britânicas. E o príncipe, além disso, continua usando ternos da grife em grande parte dos eventos e cerimônias oficiais.
Eis que, numa tarde de sábado, decidi conhecer a Savile Row e, principalmente, a Gieves & Hawkes. A loja que está acostumada a receber príncipes e celebridades internacionais, como David Beckham e o campeão da F-1 Jenson Button, em breve encontraria-se diante deste modesto jornalista brasileiro. Londres estava agradável naquele dia, com os termômetros marcando 11 graus. Pode até parecer pouco. Mas quando o seu corpo se acostuma a temperaturas negativas, 11 graus parece um luxo.
A caminhada da estação Oxford Circus, na linha vermelha, até a Savile Row leva menos de 10 minutos. Paralela à Regent Street, uma das principais ruas comerciais de Londres, a Savile Row é curta. Em seus três quarteirões de extensão há 29 lojas de roupa, uma de sapato, duas galerias de arte e um restaurante. Além disso, a rua possui uma vendinha – que destoa do resto da paisagem – e uma delegacia da polícia metropolitana londrina, a célebre Scotland Yard. Some à conta alguns edifícios comerciais. Os dois últimos quarteirões da Savile Row, delimitados pela Conduit Street e a New Burlington Street, estão longe encantar como o primeiro. Três vezes mais longo que os dois juntos, é nele que estão os melhores alfaiates da rua – e, possivelmente, do mundo.
O próprio nome da Savile Row está ligado à monarquia inglesa. A rua, cuja construção começou em 1731, homenageia a condessa Dorothy Savile. “Row”, por sua vez, significa fileira. No caso, uma fileira de casas. Além da Gieves & Hawkes, a Savile Row tem outras lojas que, certamente, merecem destaque. Como a Henry Poole & Co. Foi nela que nasceu, em 1860, o smoking. Na ocasião, a Henry Poole & Co fez a peça a pedido do então Príncipe de Gales, depois rei Edward VII. Ele queria uma roupa mais confortável do que a casaca, para usar em situações informais. Sua solicitação foi atendida e, assim, o smoking surgiu. A Nutters of Savile Row, aberta em 1969, é outra que fez história na rua, com suas vitrines extravagantes. Na capa do álbum Abbey Road, três Beatles vestem ternos dela. A exceção é George Harrison, num conjunto jeans.
Ao andar pela Savile Row, deparei-me com um cenário diferente ao que esperava. As lojas estavam, em sua maioria, desertas. Espiei várias vitrines e, quando muito, a loja tinha um ou dois clientes. A Gieves & Hawkes fica no número 1, uma esquina. Como eu começara a caminhada pelo lado oposto da rua, foi a última loja que visitei. Antes instalada na rua Piccadilly, onde hoje há o famoso luminoso de Londres, a Gieves & Hawkes comprou seu atual endereço em 1912, por 38 mil libras. Em valores atualizados, a cifra equivale a 3,2 milhão de libras, ou 8 milhões de reais. A loja, na verdade, fica em dois edifícios vizinhos, um branco e outro de tijolos marrons. Tem quatro andares, sótão e sub-solo. Duas bandeiras do Reino Unido estão penduradas na fachada. Como loja estava em reformas, os clientes precisavam usar uma porta lateral, na Vigo Street.
Entrei na matriz da Gieves & Hawkes por uma porta dupla de vidro. (Eles têm outras 13 lojas ou revendedoras autorizadas no Reino Unido.) A elegância e o luxo do lugar impressionam e, até mesmo, intimidam. Dos quatro vendedores da sala, apenas um me cumprimentou. Tive a sensação de que os outros me olhavam de rabo de olho. Teriam eles reparado que eu só estava de visita ali? Além de mim, havia apenas mais um cliente no salão, uma japonesa na faixa dos 40 anos. Ela conversava, decidida, com uma vendedora loira. Alguns minutos depois, um homem grisalho entrou pela porta e, igualmente decidido, foi direto a um vendedor para pedir algo. Era uma loja de clientes decididos. Enquanto isso, eu andava pela loja, indeciso e acuado, observando ternos, camisas, gravatas – e seus preços assustadores.
“Quanto custa um terno pronto?”, perguntei a um vendedor alto e bem barbeado. “A partir de 1 100 libras”, ele respondeu. Quase 3 mil reais, preço absolutamente fora do meu orçamento. Eu carregava no bolso algum dinheiro que tinha separado para jogar pôquer mais tarde no cassino Golden Nugget, não longe dali. As cartas teriam que ser extremamente generosas comigo para que, um dia, eu pudesse comprar um desses ternos sem comprometer minha saúde financeira. Virei-me para o vendedor e, então, perguntei sobre o preço do terno feito sob medida. Ou, como eles chamam por aqui, bespoke suit. “Sai por 3 900 libras. E leva oito semanas para ficar pronto.” Mais do que dez mil reais. Como bom jogador de cartas, mantive o semblante, sem demonstrar o meu espanto. Dentro de minha cabeça, porém, ao ouvir o preço, algumas palavras obscenas me vieram à mente.
Dirigi-me a uma pequena sala, onde estavam expostos os sapatos e não me demorei por ali. Depois passei para um novo quarto, onde um alfaiate tirava as medidas de um cliente. Cadê os uniformes militares?, pensei. Voltei ao primeiro salão. Só então reparei que, no segundo andar, em reforma, havia alguns uniformes. Não encontrei a escada, porém. Pedi a um vendedor, o único que usava o terno aberto, que me levasse até lá. Subimos a escada – que estava na minha frente, como eu não a vira? – e chegamos à ala militar.
Fiz um comentário sobre as fotos expostas na parede. Orgulhoso, o vendedor contou que o Duque de Wellington, o general que derrotou Napoleão em Waterloo, e o almirante Nelson, herói da Batalha de Trafalgar, na qual Bonaparte também sofreu um revés, haviam sido clientes da Gieves & Hawkes. Nelson morreu em Trafalgar. E, segundo o vendedor, ele usava um uniforme da Gieves & Hawkes ao sucumbir vítima de um tiro. O ex-primeiro ministro Winston Churchill foi outro cliente célebre da loja.
Agradeci à atenção do vendedor e, satisfeito, fui embora. Na volta para casa, fiz questão de passar pelo número 3 da Savile Row, em cujo telhado os Beatles fizeram o Rooftop Concert, sua última apresentação ao vivo, em 1969. As referências da rua na cultura pop não param por aí. Phileas Fogg, protagonista do romance A Volta ao Mundo em 80 dias, de Júlio Verne, mora no 7 da Savile Row; os The Kinks citam a rua no hit End of the Season; James Bond diz, em 007 Contra o Satânico Dr. No, que o seu alfaiate é de lá. “Um terno da Savile Row pode ser caro, mas ele não só dura bastante como dificilmente fica datado”, me disse uma jornalista inglesa, especializada em moda. Pode até ser verdade. Mas o fato é que só vou poder comprovar isso pessoalmente se, alguma dia, as cartas forem absurdamente boas comigo no pôquer. E, a julgar pelo baixo movimento da Savile Row naquela tarde quente de sábado, imagino que a grande maioria dos ingleses poderia dizer o mesmo.