Já que resolveram dividir o mundo em grupos, sou do grupo dos “cabeça aberta”. Esse grupo que aceita a sexualidade alheia, não enche com discursos anti-drogas clichês e cansativos, não se ocupa com ridículas resenhas pseudomoralistas sobre o vestuário alheio, não curte “orgulho de ser hétero”, nem se sente representado pela Rachel Sherazade.
Gente assim, de fato, renova as minhas esperanças na humanidade. Me faz acreditar num futuro com menos mimimi e mais gargalhadas. Menos comentários maldosos acerca da vida alheia e mais gritos de prazer. Menos hipocrisia e mais liberdade. E – embora eu deteste terminantemente rotular as pessoas – eu amo gente desse “grupo” que tem essa mania linda de respeitar a diversidade.
CABEÇA ABERTA MESMO?
E é por isso que me sinto na obrigação de observar o que nos tem feito – porque, como dito, me incluo neste grupo – um pouco menos liberal do que realmente acreditamos ser. Observo isto sem o fervor da crítica destrutiva e inútil, dessas que têm enchido nossos ouvidos e nossas timelines, mas com um desejo sincero de que alcancemos o que esperamos de nós mesmos.
É que, inevitavelmente, vejo-me (nos), muitas vezes, discriminando o outro – não com o preconceito conservador que eu rechaço, mas com a empolgação libertária que não me deixa aceitar o conservadorismo alheio.
Não defendo a existência desta ridícula ditadura gay-comunista-satanista-feminazi que muitos conservadores têm pregado. Longe disto – e é justamente esse discurso de ódio que devemos evitar, ou estaremos condenados a nos igualar a eles.
Nosso ideal de liberdade precisa nos ensinar (e precisamos estar dispostos a aprender) que discriminar a colega de faculdade que resolveu esperar para perder a virgindade é o mesmo que discriminar o amigo gay. A única diferença é a razão do preconceito, mas o sentimento é exatamente o mesmo.
A mania de tentar enquadrar certos grupos sociais em nossos próprios ideais é reprovável, por mais irresistível que pareça.
Devemos rechaçar – e com afinco – todos aqueles que segregam, que tentam impor suas crenças religiosas e que enchem nosso saco com seu conservadorismo velado, que cultuam o preconceito e o fanatismo. E devemos, com o mesmo afinco, procurar não segregar, respeitar as escolhas alheias desde que elas não nos digam respeito.
Respeitar se o outro escolhe não beber, se faz parte da geração InstaSaúde, se tira selfies no espelho fazendo biquinho, se vai à academia de segunda a segunda, se escolheu só fazer sexo depois do casamento, se acredita no apocalipse, no inferno, em Jesus Cristo, Chiva, Buda ou Exu Caveira – desde que isto não nos tire o direito de acreditarmos, também, no que nos convém.
Me parece – e espero estar enganada – que muitos “cabeças abertas” por aí acham tudo no mundo careta, e toda crença que não faz parte do seu universo ultra-evoluído deve ser digna de piada. Desculpa, mas minha cabeça não é aberta o suficiente para que eu comungue desta opinião.
Acredito em um ideal libertário em que as pessoas, de fato, se aceitem. Em que aceitem a minha saia curta e eu aceite a escolha do outro em se casar virgem. Afinal – assim como a homossexualidade alheia e o tamanho da minha saia não dizem respeito aos malafaias da vida –, a virgindade alheia não deve estar sujeita ao meu julgamento.
Somos e sempre seremos diferentes. Haverá, sempre, no seu círculo de convivência, pessoas que têm posicionamentos exatamente contrários aos seus. E, ao passo em que é crucial lutar por respeito, é igualmente crucial aprender a respeitar.
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