Sempre tive uma grande fascinação pela vida dos hustlers – uma palavra inglesa que não possui tradução para o português, mas que significa uma fusão de “jogador”, “apostador” e “vigarista”.
Eles vivem a sua vida numa eterna busca pelo próximo “alvo”. Ou seja, alguém que esteja disposta a arriscar seu dinheiro (quanto mais, melhor) num jogo apostado.
Obviamente a habilidade deles é fora de série. Caso contrário, iriam à falência rapidamente. Então o truque para atrair a vítima é esconder o jogo e, na hora da aposta maior, revelar todo o seu potencial para sair de lá com o bolso forrado.
Já li a biografia de, praticamente, todos os hustlers do pôquer e da sinuca: Amarillo Slim, Minnesota Fats, Titanic Thompson, Cornbread Red, Stu Ungar e assim por diante.
Mas nunca me passou pela cabeça que era possível praticar essa “profissão” com uma raquete de ping pong nas mãos. Isso até conhecer a história de Marty Reisman.
Um documentário sobre a sua vida intitulado “Fact or Fiction: The Life and Times of a Ping Pong Hustler” foi lançado agora em agosto.
E, após ler uma matéria na Esquire britânica, decidi alugar o filme no iTunes ontem.
O título, em português, será algo como “Fato e Ficção: A Vida e os Tempos de um Vigarista do Ping Pong”. Alguém pode se perguntar: “Porque fato e ficção? Não é uma história real?”
Sim, ela é. Mas os grandes hustlers sempre criam uma persona para se apresentar aos outros, aumentando as suas histórias e criando novas aventuras. Faz parte do truque.
Com o tempo, até mesmo eles começam a acreditar nisso tudo. Então fica difícil saber, com exatidão, o que é fato ou ficção.
Mas o fato é que Marty Reisman foi um dos maiores jogadores de tênis de mesa da história. Em seus tempos áureos, ele ganhou 22 títulos nacionais e internacionais. O último deles foi em 1997, já aos 67 anos.
Marty, porém, nunca chegou a ser campeão mundial. Em 1952, quando ele estava em seu ápice, um desconhecido chamado Hiroji Satoh surgiu em seu caminho com uma inovadora raquete de borracha macia, que aumentava exponencialmente o efeito da bola.
Por outro lado, Marty e os demais competidores ainda usavam uma “raquete dura”, como a chamavam. Resultado? Satoh atropelou todo mundo. Depois disso, Marty nunca chegou perto do título mundial novamente, por insistir em jogar com sua ultrapassada raquete, enquanto os adversários migravam para o novo modelo.
Isso não impediu seu sucesso nos jogos apostados, entretanto. Nas décadas seguintes, Marty se tornaria milionário em três ocasiões – e gastaria ou perderia tudo com igual velocidade.
O NY Times fez um ótimo obituário de Marty em 2012, quando ele morreu aos 82 anos, por problemas no coração. Segundo o jornal, ele viajou o mundo para jogar com marajás e estrelas de Hollywood.
Ele dizia que, ao entrar numa partida, era como se estivesse partindo para um roubo – só que, no lugar da arma, usava uma raquete.
Além do talento, outro fator que contribuiu para a fama de Marty foi o seu estilo extravagante. Ele era absolutamente vaidoso, sempre com ternos e camisas coloridas impecáveis, além da obsessão pelos chapéus Fedora.
Ele media a altura da rede com uma nota de US$ 100 e seu golpe mais famoso era partir um cigarro com a bola de ping pong.
Nas décadas de 60 e 70, Marty gerenciou um clube de ping pong na Broadway chamado Riverside Table Tennis Courts.
Várias celebridades, desde o ator Dustin Hoffman até o lendário enxadrista Bobby Fischer, frequentavam o local – que antes era uma casa de bebida clandestina, antro de mafiosos da Lei Seca.
Um dia, o editor da revista Sports Illustrated ligou a Marty para lembrar atrás de qual mesa havia buracos de tiro, herança dos tempos da máfia. “Eles não foram feitos por balas”, Marty respondeu, “mas pelas minhas rajadas de direita.”
Fato ou ficção, não interessa: o importante é que Marty tornou-se uma figura que transcendeu o esporte e, por isso, garantiu uma vida eterna (ele tinha pavor da morte) na memória das pessoas.