A capacidade de empatia nunca foi um forte do ser humano. Se refletir sobre os próprios sentimentos não é lá uma tarefa que tem obtido muito sucesso junto ao gosto popular, que dirá refletir sobre o sentimento dos outros.
Uma breve análise de comportamentos cotidianos nos leva a concluir que o egoísmo ainda é a força diretória dos corações. Pequenas atitudes do dia a dia denunciam essa realidade: uma acelerada mais agressiva para impedir que alguém tome o espaço a frente do carro; uma bufada incompreensiva com a mãe que tem dificuldade com tecnologia; uma piadinha inofensiva sobre loira burra, português ou veadinho.
Poderíamos ampliar os exemplos até exaurir nossos olhos. Mas melhor pouparmo-nos.
Mas as coisas estão mudando. Como disse um leitor recentemente: estamos diante da geração mais fresca de todos os tempos. E — sabe de uma coisa? — eu concordo e acho isso ótimo. Esse é um sinal evidente do crescimento da capacidade de altruísmo.
A sensibilidade humana em relação ao próximo inegavelmente aumentou com o passar do tempo.
Se antes oferecer pessoas a leões era um espetáculo festivo oficial do maior império do mundo, hoje seria visto como verdadeira atrocidade por grande parte da humanidade. Se antes, subordinar um ser humano sob uma gerência impiedosa e sem qualquer recompensa pelos esforços era metodologia popular de administração, hoje é atitude ilegal na maior parte do planeta.
E o processo não para — mas vai se tornando mais sutil.
Se hoje piadas de conteúdo preconceituoso animam rodas, em breve serão vistas como algo descabido, sem sentido. Ao menos é o que o processo histórico nos leva a acreditar.
As pessoas estão se tornando mais frescas — ou menos tolerantes ao desrespeito. E aqui, meus amigos, o papo fica abstrato, porque não há definição para a linha tênue entre respeito e desrespeito.
Há quem pense que isso tudo é bobagem e que estamos mesmo é vivendo uma generalização da chatice, dando muito valor a questões de pouca relevância. Um comentário que li recentemente traduz bem esse pensamento:
“(…) o Rafinha Bastos por exemplo: vai fazer uma piada pra ofender obviamente, causar polêmica ao irritar alguém, mas outras pessoas que falam piadas só pra descontrair não tem problema.”
Naturalmente que o comentário se refere à piadas preconceituosas, que utilizam a homossexualidade, o sexismo, o racismo ou qualquer outro tipo de pensamento degradante como tema central. Muitos entendem que tirar sarro inocentemente com essas situações é ok.
Isso, no entanto, é apenas reflexo do nosso egoísmo, da inoperância da capacidade que todos temos de colocarmo-nos no lugar do outro. Afinal, a piada é inocente e descontrai do ponto de vista de quem?
Mas essa inflexibilidade tende a ruir quando, numa situação parecida, nós estamos do outro lado da história.
Como você sabe se uma pessoa que está chorando por chutar a parede está exagerando ou não? Quando você passa pela mesma situação! Experimentar vivências semelhantes coloca-nos no lugar do outro, nos fazendo perceber o que antes ignorávamos.
Mas ainda isso não é absoluto, pois, possivelmente, você próprio terá reações diferentes a uma mesma situação no decorrer de sua vida. Isso indica que a forma como vivemos os fatos não é resultado apenas dos fatos, mas de toda uma formação psicológica que nos compõe naquele instante.
Logo, o exagerado e o adequado são questões subjetivas e estão longe de poderem ser representados por linhas gerais. O que hoje é frescura para você pode não ser para o outro. E o que dirá quem dos dois está certo? Há como determinar regras de certo ou errado em questões subjetivas? Na real, o que importa quem está com a razão?
A questão aqui vai além de possuir a verdade.
Pessoas podem ser “sensíveis demais” — supondo que fosse possível medir essa questão — e isso, ainda assim, não justificaria inobservarmos essa sensibilidade como se a vulnerabilidade emocional fosse algo errado e, foda-se, a pessoa que lide com isso porque ela é muito fresca!
Ignorar o sentimento alheio para lutar por uma liberdade ética de fazer piadas é a clara expressão da ausência de disposição de se colocar no lugar do outro. E essa é apenas a fotografia de uma realidade corroborada por um simples fato recorrente: quando alguém se ofende, muitas vezes nosso interesse é destacar sua “frescura”.
Mas isso vai ficar para a história, porque prevejo que os tempos de frescura vieram para ficar.
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