Quentin Tarantino reescreveu a história da escravidão nos EUA. Pelo menos segundo Quentin Tarantino. Com Django Livre, “agora você tem a chance de inverter a história e pegar um personagem escravo e dar a ele uma jornada de herói, fazer com que ele se vingue, e mostrar esse épico da maneira que ele merece – o tipo de ópera grandiosa que ele merece”, disse ele.
Menos, Quentin. Bem menos.
Django Livre tem os elementos de um Tarantino clássico: violento, rápido, subversivo. O faroeste espaguete estrelado por um escravo, que viaja em busca de sua mulher numa fazenda no sul, tem a trilha sonora inspirada, sangue jorrando, belas atuações de atores que você achava que tinham morrido (desta vez é Don Johnson, de Miami Vice), e uma coleção de referências de filmes B e de blaxploitation: o título foi emprestado de uma série de faroestes italianos dos anos 60 estrelados por Franco Nero, que faz uma ponta; Minnesotta Clay, o salloon, é o nome de um longa de Sergio Corbucci, diretor da série; e por aí vai.
Tem também um diálogo tarantinesco impagável, quando um grupo de fazendeiros e seus capangas vai atrás de Django e de seu comparsa, o caçador de recompensas King Schultz (Christoph Waltz, incrível). Chamados de Regulators, precursores da Ku Klux Klan, eles fazem uma pausa para discutir a tática de ataque à dupla e acabam debatendo a má qualidade das máscaras feitas pela mulher de um deles. É quase tão bom quanto o diálogo sobre Madonna no início de Cães de Aluguel.
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Django é um Tarantino quase bom. Padece da, digamos, falta de agenda dos melhores trabalhos do cineasta, como Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Kill Bill. Para o que ele pretendia – falar da escravidão nos Estados Unidos –, Lincoln entrega a mercadoria, embora seja mais convencional. Não acrescenta muito ao debate inventar uma luta chamada Mandingo Fight, em que negros eram usados como galos de briga por seus senhores. É só uma típica piração de QT.
Tarantino causou uma polêmica intensa nos EUA com o uso do termo nigger, falado 100 vezes no filme (mal comparando – aliás, muito mal comparando – nigger é o nosso “crioulo”, também completamente em desuso). A polêmica é uma bobagem politicamente correta. O diretor Spike Lee, que não viu o filme, achou que ele era desrespeitoso a seus antepassados. Depois disse no Twitter: “A escravidão americana não foi um western espaguete de Sergio Leone. Foi um holocausto. Meus ancestrais foram escravos. Roubados da África. Eu vou honrá-los”.
Tarantino parece realmente investido do papel de vingador dos negros (assim como queria vingar os judeus em Bastardos Inglórios). Um repórter da BBC que ousou perguntar-lhe sobre a violência em seus filmes foi instado a calar a boca. “Eu não vou responder o que você quer”, disse o velho QT, exasperado. “Você não é meu mestre, eu não sou seu escravo”.
Menos, Quentin. Bem menos. Relaxa.
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