Sabendo tocar algum instrumento ou não, todos nós temos musicalidade no sangue, nos faz acreditar Bobby McFerrin, autor de Don’t Worry Be Happy.
A música está na alma de todo ser humano. Bom, como é sempre arriscado generalizar, vamos dizer — de praticamente todo ser humano. As raízes musicais do homem são tão antigas quanto a própria espécie. Ninguém questiona o poder dessa arte que participa ativamente da vida em todos os cantos do planeta.
No entanto, uma coisa se questiona: a habilidade para com ela. Ouvir música todos sabem. Mas e fazer? Quando o assunto aponta para o âmbito da prática musical, a conversa, então, fica cheia de poses. Somente alguns são capazes de produzir música com qualidade, é o que costuma-se entender. E os outros? Oras, que se contenham em apreciar. Nada evidencia isso mais do que a disposição de um show: palco e plateia. Quem está aqui toca; quem está ali assiste. E na música clássica, de preferência em silêncio.
Contudo, no século passado esse paradigma musical foi colocado em xeque. O compositor americano John Cage foi um dos grandes expoentes do movimento que procurou integrar artista e platéia na execução musical. E isso não se fez necessariamente no tocar um instrumento, mas na forma de enxergar a música. Cage é autor da peça 4’33’’, onde nenhum instrumento soa. Os músicos entram no palco e por ali ficam sem executar nada por quatro minutos e trinta e três segundos. Pode-se chamar isso de silêncio? Não. Por um acaso existe música aí? Sim: o barulho gerado pelas pessoas que estão no auditório compõem a música. Dessa forma, todos participam ativamente dela.
Ok, mas isso é apenas uma ideia filosófica. É bonito e legal, mas…
Mas aí que entra um outro nome: Bobby McFerrin.
Talvez você o conheça pela sua famosa canção Don’t Worry, Be Happy. Mas, por favor, a esqueça: não iremos falar dela. Bobby é um grande musicista – grandessíssimo. Vem de família com tradição musical, é profundo conhecedor de técnicas e teorias sobre a arte em questão e, além de ser um exímio cantor, toca piano e é regente. Mas o que o destaca é a capacidade de enxergar a música além de tudo isso.
Música é expressão, é liberdade. E a técnica, idealmente, é para facilitar movimentos, facilitar a compreensão. Mas a vaidade humana transformou a arte em algo burocrático. A técnica, ao invés de libertar, aprisionou: existem regras, existem modelos, existem limites a serem atendidos.
Mas Bobby parece não ver dessa forma: é como se para ele todos fossem capazes de fazer música. A musicalidade é intrínseca ao ser humano. E ele prova isso.
No vídeo abaixo, durante uma conferência científica, ele fez uma interação com a plateia. Ali estão pessoas comuns – provavelmente algumas detém conhecimentos musicais e outras não. Entretanto, McFerrin demonstrou que todos sabem fazer música de um jeito ou de outro. É surpreendentemente óbvio o sangue musical do ser humano. Assista e verá.
É claro que para tocar algo específico é necessário conhecimentos específicos – mas para se fazer música, não. Para isso basta perder o medo da exposição. A desafinação só existe porque algum dia foi estabelecida a escala. Mas a música vai além de convenções: é expressão. Portanto, para ser um bom músico basta que você vença a sua vaidade e perca o medo de se mostrar da forma que realmente é.
(Mas não se engane, pois subir ao palco não significa a vitória sobre o orgulho – e sabemos muito bem disso. Pelo contrário, pode ser um trabalho intenso de fortalecimento do que Jung chamou de persona: a máscara que uma pessoa adota para confrontar o mundo.)
O próprio Bobby Mc Ferrin diz ter levado anos para tentar se conhecer como cantor e tomar coragem de se expor como faz já há algum tempo. Durante dezenas de meses seu único treinamento foi o de vencer o medo da improvisação. Enquanto alguns estudam para se moldar outros o fazem para se libertar – mas esses vão além dos trastes de violões ou das figuras musicais, porque isso são apenas tradutores da música, e não ela em si.
A face menos popular da música é a que deu origem a ela, é a que se perdeu por muito tempo, e é a que, tão logo as virtudes humanas se sobreponham aos defeitos, reinará novamente.
Se você acha que não sabe nada de música, esqueça essa ideia. Feche os olhos, procure a sua harmonia, a sua melodia, o seu ritmo e deixe fluir. Se o coração estiver aberto e o conteúdo for espontâneo, acredite, você será um ótimo músico.
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