Até pouco tempo atrás, eu não tinha dúvidas de que o capacete era um equipamento de necessidade indiscutível para quem anda de bicicleta. O que me fez repensar o assunto foi uma matéria do The New York Times intitulada To Encourage Biking, Cities Lose the Helmets (“para incentivar o ciclismo, cidades abrem mão de capacetes”). Ao bater o olho no título do texto já torci o nariz — incentivo ao não uso do capacete? Como assim? Eu, que nas minhas pedaladas sempre apliquei o olhar julgador a cada ciclista que leva a cabeça despida de qualquer proteção, iniciei a leitura um tanto receoso.
O artigo foi escrito por Elisabeth Rosenthal, uma médica americana que se encantou com a possibilidade de poder pedalar sem capacete em Paris, uma vez que nos Estados Unidos a promoção do uso do equipamento é muito forte e os ciclistas que não aderem a ideia são vistos como irresponsáveis. Ali, pelo contrário, tudo o que Rosenthal observava eram cabelos balançando livremente.
O principal argumento apresentado no texto é de que a obrigatoriedade do uso de capacete para quem anda de bicicleta, por provocar a ideia de que a atividade é perigosa, desencoraja as pessoas a aderirem-na como transporte. Isso significa mais obesidade, ataques do coração e diabetes, desassociando o uso do equipamento à saúde. Além disso, a decisão deixa as ruas com poucos ciclistas, o que torna mais difícil o desenvolvimento de uma estrutura bem feita para o meio de transporte.
Andar de bicicleta não é tão perigoso como é ordinariamente divulgado. O professor Piet de Jong, da Macquarie University de Sydnei, diz que “estatisticamente, se usamos capacete para pedalar, talvez nós devêssemos usá-lo também para subir escadas ou tomar banho, pois há muito mais acidentes durante essas atividades”.
Outro argumento importante (e que complementa o primeiro) é o de que vestir o capacete dá a sensação de que você está se protegendo de algo (e realmente está), que está se preparando para enfrentar uma guerra — isso afasta as pessoas comuns dessa atividade e ela vira exclusividade de “guerreiros urbanos”, segundo as palavras de Ceri Woolsgrove, da Federação de Ciclismo da Europa.
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Abstraindo o uso do capacete das regras do trânsito permiti-se que o “andar de bicicleta” possa ser visto como uma atividade ordinária – você simplesmente pega o veículo e começa a pedalar –, o que pode servir como incentivo às pessoas comuns aderirem à magrela. “Os reais benefícios de pedalar em termos de saúde, transporte e poluição derivam do uso constante de indivíduos comuns”, diz Woolsgrove.
As informações expostas no texto de Elisabeth no NY Times fazem muito sentido e realmente me fizeram considerar o assunto. Contudo, não podemos nos esquecer (nunca) do mais importante de todos os detalhes quando falamos sobre o assunto: não estamos na Europa.
Não consigo ver como o capacete pode não ser considerado numa cidade que nem São Paulo. No Rio de Janeiro (cidade com a segunda maior malha cicloviária da America Latina, com 270 km) talvez essa ideia possa ser cogitada. Mas sinceramente não acredito que o Brasil ofereça segurança o suficiente aos ciclistas para permitir que eles optem pelo luxo de se despirem da “armadura” em questão.
A discussão colocada por Elisabeth pode ser considerada em seu aspecto legal ou filosófico. O Código de Trânsito Brasileiro coloca como obrigatório para ciclistas os seguintes equipamentos: campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais, e espelho retrovisor no lado esquerdo. Sobre o capacete não faz nem menção. Logo, ele não é obrigatório. No entanto, a filosofia do brasileiro preza pelo equipamento de segurança – e eu, nas condições em que vivemos, faço parte desse time.
Fontes: The New York Times, Código de Trânsito Brasileiro, UOL
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