Eu amo o Chico Buarque. Amo tanto que este texto até poderia ser para ele. Mas não, não é. Comecei falando dele só porque ele é o maior exemplo, na minha experiência pessoal, de um desejo que foi feito para jamais se realizar.
É que quando vejo Chico, naquela beleza sublime, naquela genialidade notória e naquela sensibilidade capaz de deixar qualquer mulher na face da terra apaixonada, compreendo o quanto o fato de ele ser inatingível pra mim contribui para tamanha adoração. É que o Chico que eu amo é o Chico distante, que eu não posso tocar. O Chico que amo pode, na verdade, nem existir – e é provável que não.
O Chico de verdade pode ser bastante diferente de todo este altar que eu construí. Pode ser mal-humorado ou implicante. É até capaz de desafinar quando pega o violão pra se distrair (embora eu ache pouco provável, mas eu sou suspeita). Mas o Chico-gente – de carne e osso – pode muito bem ser um tédio e eu não saber.
O Chico que eu construí pra mim, não. É sempre magnífico e encantador. É sempre gentil, sempre afinado e nunca está impaciente. O Chico que eu construí pra mim acorda cantando “Outros Sonhos” – e, convenhamos, qual a possibilidade de o Chico-gente acordar cantando?
Existem coisas que só são sensacionais no terreno fértil da nossa imaginação e tentar tornar isto realidade pode ser a maior decepção de nossas vidas – como descobrir que Chico Buarque ronca e não acorda cantando “Outros Sonhos” e nem música nenhuma.
A verdade é que nos frustramos, muitas vezes, por coisas que não realizamos – sem percebermos que algumas coisas de fato não foram feitas para serem realizadas. E se um dia migram para o cruel plano da realidade, desvirtuam-se, deixam de ser como são. Alguns desejos nascem pra serem só desejos, por que só assim podem ser essa coisa mágica que nos anestesia da realidade.
É tolice acreditar que um desejo que nunca se realiza não tem uma função – ele tem, sim, e das mais sublimes: fazer a alma sorrir. Como o ator americano que você nunca vai encontrar, a ilha paradisíaca que você pode nunca visitar, a fama internacional que você pode jamais conquistar – mas que colorem os seus dias de uma alegria que pode jamais existir na realidade.
Alguns desejos nascem pra nos estimular – como a vontade de ser médico ou escritor: você corre atrás e realiza. Como o desejo de comprar uma TV nova, ou dar a volta ao mundo ou de se casar numa cerimônia na praia.
Mas já outros… Ah, outros foram feitos para serem desejos a vida inteira, tão lindos quanto inatingíveis – aliás, lindos justamente por serem inatingíveis.