Há algumas semanas estava fazendo uma pesquisa de pauta na internet quando caio numa matéria sobre CrossFit. Intrigado, alarguei a pesquisa para saber mais do assunto. Intensidade, movimento, limite, resistência foram algumas das palavras que eu encontrei com frequência nessa breve sondagem. O que estava lendo era muito interessante e me pareceu que o CrossFit merecia uma atenção especial. Rapidamente encontrei o site do CrossFit Brasil, passei a mão no telefone e liguei para o coordenador técnico do espaço pioneiro do esporte em nosso país Joel Fridman, para ver se conseguia marcar uma entrevista. Mas antes de conversar com ele – e até de fazer uma aula experimental – eu precisava entender um pouco mais sobre o assunto.
CrossFit é um programa de treinamento que trabalha força e condicionamento, onde os exercícios praticados procuram englobar todos os movimentos corporais exercidos nas mais diversas modalidades esportivas com a finalidade de desenvolver as 10 aptidões físicas reconhecidas pela Sociedade Mundial de Fisiologistas do Exercício, que são: resistência cardio-respiratória, resistência muscular, força, flexibilidade, potência, velocidade, coordenação, agilidade, equilíbrio e precisão.
Não há restrições físicas à prática do CrossFit – qualquer um pode (e deve) fazer o treinamento. Atletas profissionais, amadores, mulheres, crianças, gestantes, jovens, velhos e mesmo pessoas com necessidades especiais são convidados a participar dos exercícios uma vez que o objetivo é a melhora da qualidade de vida. Quando pergunto a Joel se a busca por um corpo bonito também não é a (ou uma das) finalidade do treinamento, ele responde: “Eu estaria sendo hipócrita se dissesse que isso não existe, mas no fim das contas acaba sendo somente uma consequência do treinamento”.
Durante a entrevista eu reparo que o espaço do CrossFit Brasil não conta com espelhos e, consequentemente, não patrocina os movimentos narcisistas cuidadosamente executados pelos frequentadores de academias convencionais. Aliás, segundo Joel, boa parte das pessoas que procuram o CrossFit é por conta da insatisfação com a rotina sempre igual das academias. O programa de treinamento orientado por Fridman leva o slogan “Cada dia um treino, cada treino um desafio”, filosofia que não permite que as pessoas caiam na monotonia.
Joel Fridman é formado em esporte pela USP e pós-graduado em exercícios para a terceira idade na mesma faculdade. Teve contato com o CrossFit no Canadá, país onde a modalidade esportiva é largamente conhecida, e em 2008/09 foi treinador da CrossFit Vancouver. Foi ele o responsável por trazer o treinamento para o Brasil em 2009 – ano em que fundou o CrossFit Brasil, primeiro espaço físico organizado para a prática do esporte. De lá para cá treinou diversas pessoas para se tornarem orientadores dessa atividade e foi peça fundamental para o surgimento de outros espaços que a promovem.
A matéria que me levou a conhecer o CrossFit foi um texto do site LiveStrong que apresentava as controvérsias por trás do treinamento. A autora Brooke Ross alegava que a intensidade dos exercícios é tão elevada que pode ser prejudicial. O abre é uma história um tanto assustadora de um cara que vai parar no hospital com problemas renal depois de uma semana exaustiva de treinamento.
Eu queria saber de Joel, então, se a intensidade dos treinamentos é mesmo um fator preocupante, no que ele respondeu: “O problema principal são alguns técnicos que deixam a intensidade vir antes da técnica. Para nós é fundamental – e nos é passado no curso mais básico de CrossFit – que não se deve colocar intensidade em movimentos em que não se tem ainda um domínio técnico, ou, em alguns casos, não se deve colocar carga enquanto não há segurança e integridade física. Uma das idéias do CrossFit é justamente ensinar as pessoas a cuidarem do próprio corpo, a terem mais consciência dele”.
O texto do LiveStrong também diz que o problema mais preocupante é em relação aos atletas novatos, pois eles não conhecem bem os seus limites. Sobre isso Fridman diz: “Novatos? Eles nem têm ideia de onde é e nem sabem como chegar perto de seu limite. O psicológico não deixa. É necessário estar muito acostumado com o desconforto para chegar perto do limite. O CrossFit é intenso, mas é adaptável para qualquer pessoa”.
A matéria de Ross também está de acordo com esse pensamento. No último tópico do texto ela esclarece que quando feito corretamente e com treinadores experientes os exercícios não trazem resultados negativos ou ineficientes. Acontece que nos EUA o critério para se formar um profissional em CrossFit não é rigoroso e acaba se tendo muito técnicos incapacitados para a tarefa, o que gera os problemas de lesões.
Enfim, o treinamento
Realizada a entrevista, perguntei a ele se podia fazer uma aula para sentir na pele a intensidade das atividades. Joel pensou um pouco, levantou levemente a sobrancelha e me respondeu positivamente, mesmo que um pouco receoso. Ele me explicou que as pessoas, ao se matricularem na CrossFit Brasil, fazem uma primeira aula para verificar o condicionamento físico e depois mais três para aprenderem os movimentos técnicos. Isso é extremamente importante, pois é a consciência desses movimentos que vão prevenir as possíveis lesões – e um bom treinador faz questão de que os alunos tenham noção do que estão fazendo. Por isso ele me revelou que não seria possível eu participar de uma aula de meio de semana, onde os exercícios cobram do atleta certo domínio técnico, mas que de sábado acontecia uma atividade onde não se exigia tanto nesse aspecto e a famosa intensidade do CrossFit permanecia a mesma.
Então numa manhã de um sábado nublado eu saí de casa de bicicleta para ir a sede da CrossFit Brasil fazer a aula experimental. Admito que estava desconfiado quanto à minha opção pela magrela – se o exercício é mesmo tão intenso como se anunciava eu teria que pedir carona após a aula para alguma alma caridosa. Mas já estava no meio do caminho e a minha ansiedade para conhecer o treinamento não me permitiu voltar. A pedalada foi tranquila e cheguei com facilidade ao galpão na Rua Clélia, na Pompéia.
Com uma receptividade de dar inveja a qualquer diplomata, Joel me convidou a guardar meus pertences, tomar uma água e fazer um breve aquecimento antes de iniciar o treinamento. Depois de atender ao seu convite me juntei ao círculo de pessoas que se formou para ouvir as orientações do coordenador técnico. “Todos aqui se conhecem?”, foi a pergunta que refletiu suas primeiras palavras, mesmo que já soubesse a resposta. Depois de cada um se apresentar rapidamente, Joel passou o treinamento – ou o que eles chamam de WOD (do inglês Workout Of the Day, que traduzido seria “o treino do dia”). Os exercícios seriam feitos em duplas e o professor, por não conhecer o meu condicionamento, me colocou com Samanta, uma moça que estava acompanhando o seu namorado e que, portanto, ele também desconhecia a condição física.
O treinamento nesse dia consistia em quatro exercícios:
- Uma pessoa se agacha e a outra pula por cima; após isso, quem pulou se arrasta por sob o tronco do outro (que eleva o corpo numa ponte sustentada pelos pés e pelas mãos) para voltar à posição inicial. Esse é um movimento – e a série era completada com 50 deles.
- Mantendo uma bola de 4,5 quilos elevada sobre a cabeça, caminha-se 50 passos levando o joelho da perna que está atrás até o chão. Ou simplesmente, Avanço.
- Deita-se de frente para o parceiro e realiza-se 100 abdominais revezando a bola de 4,5 quilos. No fim cada um faz 50 movimentos com o equipamento e 50 sem.
- 50 agachamentos com a bola.
No intervalo de cada exercício as duplas tinham que correr 800 metros carregando a bola, podendo revezá-la com o parceiro da forma que preferissem. Além disso, mandava o treinamento que se iniciasse os exercícios com 1.200 metros de corrida com a bola e encerrasse com 1.200 metros ela – totalizando 4,8 km.
A primeira corrida foi tranquila, Samanta revezou comigo o peso e conseguimos chegar sem muita diferença de tempo em relação às outras duplas para o primeiro exercício. Eu me preparei então para pular e me arrastar. Os primeiros 10 movimentos foram fáceis e eu realizei com certa agilidade. Mas a partir daí comecei a me preocupar – tinha dificuldade para manter o ritmo e sentia os músculos dos membros inferiores oscilarem levemente. Além disso, tinha acabado de perceber que meu café-da-manhã não havia sido reforçado. “Complicou”, pensei.
Terminamos, eu e Samanta, o primeiro exercício entre tímidas reclamações e saímos para a segunda corrida. Antes de pisar na rua pude perceber que algumas duplas já estavam fazendo a próxima atividade – “como assim”, pensei? Mas isso pouco importava, tinha sacado que só de conseguir finalizar o treinamento já seria um feito épico. Samanta não era novata no CrossFit, ela me revelou que praticava o treinamento há um mês e meio em Jundiaí, o que me classificava com o único iniciante da turma. Eu rezava para que meu condicionamento de ciclista do cotidiano fosse o suficiente para evitar um desfalecimento desconcertante e me segurar de pé pelo resto do treinamento.
E foi.
Pisando no tatame do galpão depois da última corrida, eu curvei as costas e apoiei a mão nos joelhos para equilibrar a respiração acelerada. Apesar do susto inicial, eu e Samanta finalizamos o programa em 65 minutos, à frente apenas de uma dupla. Agradeci toda a atenção dispensada por Joel, empoleirei na bicicleta e fui embora em meio a fisgadas nas coxas – mas perfeitamente vivo.