“O vinil voltou a fazer parte da vida de muitas pessoas que veem nele a mágica perdida no modo de se ouvir música”, diz João Augusto.
Fetiche? Saudosismo? Nada disso. A opinião do dono da Polysom, a única fábrica de vinil em atividade na América Latina, vai de encontro aos números. E os números, dizem alguns, não mentem.
O Brasil está há quatro anos empilhando crescimentos na venda de discos de vinil – nessa temporada, tudo indica que o aumento deve bater na casa dos 60%. Nos EUA, o mercado do vinil em 2014 deve crescer 47,5% em relação ao ano passado.
No Reino Unido, as vendas estão perto de atingir o seu melhor nível em duas décadas – e não devido a alguma reedição dos Beatles ou edições de luxo de David Bowie, mas por conta de artistas dos anos 2000 como Jack White e Arctic Monkeys, que, juntos, impulsionaram boa parte das quase 800 mil unidades vendidas desde o início do ano.
“Os discos de vinil podem ter sido considerados subprodutos de uma época superada, mas, na verdade, representam um formato em expansão, que faz um verdadeiro retorno em plena era digital”, defende o porta-voz da British Phonographic Industry (BPI) Lynne McDowell, que representa a indústria musical britânica.
“Ele tem espaço justamente porque o mundo que está no outro extremo é muito cibernético”, rebate João Augusto. “Um pouco de romance sempre faz bem.”
Big boss da Deck Disk, gravadora responsável por lançar artistas como Pitty, Nação Zumbi e Fernanda Takai, João Augusto tomou para si o mercado brasileiro de vinil em 2010. Foi lá que assumiu a Polysom, que vivia há três anos abandonada em Belford Roxo, Rio de Janeiro. João comprou a fábrica, remodelou e saiu a produzir bolachões.
A exemplo do que acontece no Reino Unido, a Polysom não se contenta em apenas relançar clássicos da música brasileira – aposta também em artistas da nova geração, como Silva, Rodrigo Amarante, Cícero e Vanguart.
E, mesmo que o grande campeão de vendas seja uma verdadeira pérola tupiniquim – A Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben –, os números, esses que não mentem, comprovam: “Quem está pedindo esses títulos não são saudosistas nem colecionadores, mas um público novo, ávido por boa música”, comemora ele.
Conversamos com João Augusto para entender porque o vinil está aqui para ficar.
João, o que torna o vinil tão sedutor?
O vinil é fundamentalmente uma experiência tátil, visual e auditiva. Manusear as quase 200 gramas do disco nas mãos, colocá-lo no toca discos, observar magníficas artes estampadas em 31x31cm (contra os 12cm do CD), ler o encarte e a contracapa, trocar de lado e ainda ouvir um som que tem vantagens cientificamente comprovadas sobre qualquer som digital… Tudo isso faz com que o vinil seja encarado como um objeto de desejo.
Em 2010 você encarou a bronca de reviver a Polysom. Por que reativar uma fábrica de vinil no Brasil?
No mundo inteiro, segundo a estimativa de um fornecedor de peças americano, existem 30 fábricas em funcionamento. Eu acho muito pouco pela dimensão que o vinil tem e poderá vir a ter. Já temos notícias de várias fábricas trabalhando com sua capacidade plena.
O que significa que a procura está ultrapassando a demanda. Como explicar esse retorno tão explosivo do interesse pelo vinil?
Creio que foi justamente a era digital que causou a volta desse interesse por vinil. O digital é uma radicalização muito grande dos formatos de se reproduzir música e algumas pessoas ou sentiram saudades de lidar com o disco físico e a capa, no caso dos mais velhos, ou se interessaram por conhecer como eram aqueles “old times”, no caso dos consumidores mais novos.
A primeira coisa que aprendi na minha profissão é que há comprador para tudo. E tenho cada vez mais certeza disso. Vinil é a antítese do CD e do MP3 no quesito qualidade sonora. Quem gosta dessa distinção, está ávido por novos lançamentos em vinil. E isso já é suficiente para nos motivar.
Mas qual foi aquele estalo para realmente dar o primeiro passo na reativação da Polysom?
Logo descobrimos que poderia ser um bom negócio diante das notícias que recebemos do crescimento de vendas do vinil no exterior. Então, tive a certeza definitiva quando alguém me contou a história de um camarada que abriu uma loja especializada em peças para fusca.
Diante da surpresa dos amigos, que não viam a menor chance no negócio – afinal, havia poucos fuscas rodando por aí –, o empreendedor mostrou a maior lógica ao afirmar: “Por isso mesmo. Ainda há fuscas e nenhuma loja especializada em peças para reposição.” A última notícia que se teve foi que a loja do camarada “bombou”, porque os proprietários de fuscas só tinham a ela para recorrer.
O mesmo acontece com a Polysom, por se tratar da única fábrica de vinis em toda a América Latina. E sempre há gente querendo produzir LPs e Compactos por aqui.
Gal Costa, Ronnie Von, Erasmo Carlos, Novos Baianos… A Polysom tem embarcado em uma série consistente de relançamento de clássicos da música brasileira – há, inclusive, um nome para ela: “Clássicos em Vinil”. É um momento de redescoberta da nossa música? A Tábua de Esmeralda, segundo consta, é o campeão de vendas da fábrica…
Quisera que tais lançamentos demonstrassem essa “redescoberta” da música brasileira, mas as quantidades são muito pequenas para que se afirme isso. O fato que constatamos, este sim uma realidade, é que os que estão pedindo esses títulos não são simplesmente saudosistas nem colecionadores, mas um público novo, ávido por boa música. A maior motivação é justamente essa procura pelos títulos. Mas sempre há uma dose de atenção artística para discos que foram marcantes na nossa música.
A Tábua de Esmeralda é mesmo o best seller até aqui, com mais de 3 mil unidades vendidas. Além de ser um álbum maravilhoso, ele foi um dos primeiros lançamentos da série.
No início da retomada você comentou que esperava um público formado principalmente por saudosistas, colecionadores, pessoas com fetiche pelo vinil. A verdade é que a venda de bolachões no Brasil não para de crescer. O formato tem alcançado voos altos. Quatro anos depois de reviver a fábrica, como você vê o vinil no cenário brasileiro?
Errei feio! Quando reabrimos a fábrica, a impressão era que o máximo que conseguiríamos seria fabricar o suficiente para pagar as despesas. Hoje a Polysom é lucrativa, contrata profissionais a todo momento e planeja ampliação dia após dia.
O Brasil acompanha o movimento mundial de crescimento do vinil e já começa a apresentar uma demanda mais alta do que a capacidade de produção. Todos os sinais apontam para o fato de que a volta do vinil é inexorável. Não é uma onda, não tem mais volta.
Você acredita que o vinil vai seguir tendo espaço cativo nesse mercado tomado pela tecnologia?
Partindo da teoria de contrastes, creio que ele terá espaço justamente porque o mundo que está no outro extremo é muito cibernético. Um pouco de romance, tradição, saudosismo, sempre faz bem.
Mas a maior parte da compra e venda de música é digital, e esse é um processo irreversível. Conseguiremos manter esse novo público consumindo música em vinil?
Acredito que possa ser criado e mantido um novo público se puder ser reproduzido um bom vinil ao lado do CD da mesma música. Ninguém deixará de perceber a diferença. E sempre é bom lembrar: a digitalização está fazendo com que a música seja cada vez mais descartável, cada vez menos perene. Isso não é apenas para colecionadores e saudosistas. É para quem gosta de música.
Como comparar a qualidade de som do vinil com a de formatos digitais?
Muitos profissionais têm longos anos dedicados às gravações. Eu mesmo comecei a produzir discos há muito tempo, em 1979, na Polygram (hoje Universal Records). Isso nos proporciona discernimento na hora de julgar sons fazendo comparações.
Um LP que teve o acetato bem cortado, as partes metálicas bem produzidas e a prensagem feita dentro dos padrões básicos tem o som infinitamente melhor do que qualquer MP3 ou coisa que o valha, porque não há compressão do som por processos digitais binários.
O vinil conserva uma profundidade do som que se perde claramente nos formatos digitais.
O vinil é, definitivamente, uma prova de que a música está acima de qualquer coisa. Apesar de novos formatos, dos enlatados, do iTunes, ainda existe uma porrada de gente que realmente gosta de música e quer o álbum de seu artista favorito.
Compartilhamos a opinião de alguns analistas de que no mundo de hoje há compradores para tudo. E a música se apresenta ao consumidor em vários formatos, cada um escolhe o seu – por portabilidade, por qualidade ou por fetiche, simplesmente. O vinil é uma excelente mídia de charme, é uma curtição. E cada vez mais a gente descobre isso.
Sendo um cara que produz bolachões, você deve ser um ávido colecionador. Qual aquele disco que você não vende, muito menos empresta?
Todos os meus vinis. Mas convido qualquer um para ouvir comigo.
Mas você tem aqueles mais queridos da coleção?
É difícil selecionar isso. Uma edição especial de Thriller, do Michael Jackson (com versões novas de estúdio), o Black Album, do Metallica, em 45 rpm, Exodus, do Bob Marley… Enfim, são muitos.
E quais você gostaria de reeditar?
Todos dos Mutantes, Tim Maia, Ultraje a Rigor, Titãs, Jorge Ben, Tom Jobim, João Gilberto, Raul Seixas e muitos outros. Mas vou chorar muito no dia em que a Polysom produzir os discos do Rei, Roberto Carlos.
— O PROCESSO DE CONFECÇÃO —
Já imaginou como se dá a confecção daquele vinil que você ouve em casa? Em matéria para o Caderno 2 do Estadão, Alexandre Matias descreveu o processo após visita a fábrica da Polysom. As fotos são de Tasso Marcelo. Vale dar uma olhada: